Caros Amigos e Benfeitores,

 

Se a canonização de João XXIII e de João Paulo II se realizar no próximo dia 27 de abril trará um duplo problema à consciência dos católicos. Primeiramente, um problema da canonização enquanto tal: como seria possível dar a toda a Igreja como exemplo de santidade, por uma parte, o iniciador do Concílio Vaticano II e, por outra parte, o Papa de Assis e dos direitos do Homem? Mas também, e mais profundamente, um problema do que aparecerá como se fosse um reconhecimento de autenticidade católica sem precedentes: como seria possível garantir o selo de santidade aos ensinamentos de um Concílio que inspiraram todas as disposições de Karol Wojtyla e cujos frutos nefastos são o sinal inequívoco da autodestruição da Igreja? Esse segundo problema traz por si mesmo sua própria solução: os erros contidos nos documentos do Concílio Vaticano II e nas reformas que se seguiram, especialmente na reforma litúrgica, não podem ser obra do Espírito Santo, que é, simultaneamente, um Espírito de verdade e um Espírito de santidade. Eis porque nos parece necessário recordar quais são os principais erros e quais as razões fundamentais pelas quais não podemos assinar embaixo das novidades do Concílio e das reformas que  derivaram dele, assim como das canonizações, que parecem pretender, de fato, “canonizar” o Vaticano II.

Essa é a razão pela qual queremos protestar com força  essas canonizações, e ao mesmo tempo denunciar a obra que desnatura a Igreja desde o Concílio Vaticano II.Eis aqui os principais elementos:

 

I – O Concílio

 

“Enquanto o Concílio se preparava para ser uma nuvem luminosa no mundo de hoje caso se tivessem utilizado os textos pré-conciliares nos quais se encontrava uma profissão solene da doutrina segura sobre os problemas modernos, infelizmente podemos e devemos afirmar que, de uma maneira mais ou menos geral, quando o Concílio inovou,  abalou a certeza das verdades ensinadas pelo Magistério autêntico da Igreja que pertenciam de modo definitivo ao tesouro da Tradição.[…] Sobre esses pontos fundamentais, a doutrina tradicional era clara e ensinada de modo unânime nas universidades católicas.Porém, numerosos textos do Concílio sobre essas verdades permitem duvidar delas de agora em diante.[…] É preciso, então, coagidos pelos fatos, concluir que o Concílio favoreceu de um modo inconcebível a difusão dos erros liberais” [1].

 

II – Uma concepção ecumênica da Igreja.

 

A expressão “subsistit in” (Lumen gentium, 8) pretende afirmar que haveria uma presença e uma ação da Igreja de Cristo nas comunidades cristãs separadas; ação e presença distintas   de uma subsistência da Igreja de Cristo na Igreja católica.Tomada nesse sentido, a expressão nega a identidade estrita entre a Igreja de Cristo e a Igreja católica, ensinada desde sempre até aqui, especialmente por Pio XII em duas ocasiões, nas encíclicas Mystici corporis[2] e Humani generis[3].A Igreja de Cristo está presente e atua enquanto tal, quer dizer, como a única arca de salvação, somente onde está o vigário de Cristo.O Corpo místico do qual ele é a cabeça visível é estritamente idêntico à Igreja católica romana.

 

A mesma declaração (LG 8) reconhece também a presença de “elementos salvíficos” nas comunidades cristãs não-católicas.O decreto sobre o ecumenismo agrega ao afirmar que “o Espírito Santo não se recusa empregar essas Igrejas e Comunidades separadas como meios de salvação, embora a virtude desses derive da própria plenitude de graça e verdade confiada à Igreja católica” (UR 3).

 

Tais afirmações não são conciliáveis com o dogma de que “Fora da Igreja não há salvação”, reafirmado pela Carta do Santo Ofício de 8 de agosto de 1949. Uma comunidade separada não pode se prestar a instrumento da ação de Deus, uma vez que a sua separação é uma resistência ao Espírito Santo.As verdades e os sacramentos que eventualmente são conservados ali apenas podem produzir um efeito salutar  quando em oposição aos princípios errôneos que fundam a existência dessas comunidades e que causam sua separação do Corpo místico da Igreja católica, cuja cabeça visível é o vigário de Cristo.

 

A declaração Nostra aetate afirma que as religiões não cristãs “não raro refletem lampejos daquela Verdade que ilumina a todos os homens”, embora estes homens devam encontrar em Cristo “a plenitude de vida religiosa” e “considera com sincera atenção aqueles modos de agir e de viver, aqueles preceitos e doutrinas” (NA, 2). Tal afirmação cai sob a mesma reprovação da precedente.Enquanto estão dentro da heresia ou do cisma, os sacramentos, as verdades parciais da fé e a Escritura estão em um estado de separação com o Corpo místico.É essa a razão pela qual a seita que os utiliza não pode realizar, enquanto tal, a mediação da Igreja nem contribuir para a salvação, pois se encontra privada da graça sobrenatural.É preciso afirmar a mesma coisa acerca das maneiras de pensar, viver e agir, tais como se encontram nas religiões não cristãs.

 

Esses textos do Concílio favorecem a concepção latitudinarista da Igreja, condenada por Pio XI na encíclica Mortalium animos; bem como o indiferentismo religioso igualmente condenado por todos os papas, de Pio IX a Pio XII[4].Todas as iniciativas inspiradas pelo diálogo ecumênico e interreligioso, do qual a reunião de Assis de 1986 é o exemplo mais visível, não são mais do que a colocação em prática, “a ilustração visível, a lição das coisas e a catequese inteligível a todos” (segundo João Paulo II) desses ensinamentos conciliares.Mas elas exprimem também o indiferentismo denunciado por Pio XI, quando ele reprovou a esperança “de que seria possível conduzir sem dificuldade os povos, apesar das suas divergências religiosas, a um entendimento fraterno sobre a profissão de certas doutrinas consideradas como um fundamento comum de vida espiritual.[…] Solidarizar-se com os partidários e propagandistas de semelhantes doutrinas é se afastar completamente da religião divinamente revelada” [5].

 

III – Uma concepção colegial e democrática da Igreja.

 

1. Depois de ter abalado a unidade da Igreja na sua fé, os textos do Concílio abalaram-na também no seu governo e na sua estrutura hierárquica.A expressão do “subjectum quoque” (LG 22) quer dizer que o colégio dos bispos unido ao papa como ao seu chefe é também, além do papa sozinho, o sujeito habitual e permanente do poder supremo e universal da jurisdição na Igreja.É a porta aberta para uma diminuição do poder do Sumo Pontífice, em outras palavras, a pô-lo em dúvida, com o detrimento de colocar em perigo a unidade da Igreja.

 

Esta idéia de um duplo sujeito permanente do primado é, de fato, contrária ao ensino e à prática do magistério da Igreja, especialmente à constituição Pastor aeternus do Concílio Vaticano I (DS 3055) e à encíclica Satis cognitum de Leão XIII.Pois somente o papa possui de modo habitual e constante o poder supremo, que ele comunica apenas em circunstâncias extraordinárias aos concílios, na medida que considera oportuno.

 

2. A expressão do “sacerdócio comum” próprio aos batizados, distinta do “sacerdócio ministerial” (LG 10), não expressa com precisão que somente o segundo deve ser entendido no sentido verdadeiro e próprio do termo, ao passo que o primeiro se entende somente no sentido místico e espiritual.

 

Essa distinção foi afirmada claramente por Pio XII no Discurso de 2 de novembro de 1954. Ela está ausente dos textos do Concílio e abriu caminho para uma orientação democrática da Igreja, condenada por Pio VI na Bula Auctorem fidei (DS 2602). Essa tendência de fazer o povo participar do exercício do poder se encontra também na multiplicação de organismos de todos os tipos, em conformidade com o novo direito canônico (cânon 129 § 2). Ela perde de vista a distinção entre clérigos e leigos, embora esta seja de direito divino.

 

IV – Os falsos direitos naturais do homem.

 

A declaração Dignitatis humanae afirma a existência de um falso direito natural do homem em matéria religiosa. Até aqui, a Tradição da Igreja era unânime em reconhecer aos não católicos o direito natural de não ser constrangidos pelos poderes temporais em sua adesão (quanto à intenção no foro interno e ao exercício do catolicismo no foro externo) à única verdadeira religião e reconhecia, no máximo em algumas circunstâncias, uma certa tolerância no exercício das falsas religiões, quanto ao foro externo público. O Vaticano II reconhece, ainda, a todo homem o direito natural de não ser impedido pelos poderes civis de exercer no foro externo público uma religião falsa e pretende reconhecer, como um direito positivo, esse direito natural de isenção a qualquer coerção por parte das autoridades da sociedade.Os únicos limites jurídicos a esse direito seriam aqueles de ordem puramente temporal e profana da sociedade.O Concílio torna, assim, uma obrigação aos governos temporais de não fazer mais distinções por motivos religiosos e de estabelecer a igualdade jurídica entre a verdadeira religião e as falsas.

 

Esta nova doutrina social está em oposição com os ensinamentos de Gregório XVI na encíclica Mirari vos e de Pio IX na Quanta cura.Ela se baseia em uma falsa concepção de dignidade humana, puramente ontológica, e não mais moral.Em conseqüência, a constituição Gaudium et spes ensina o princípio da autonomia do temporal (GS 36), em outras palavras, a negação da realeza social de Cristo, embora tenha sido ensinada por Pio XI na encíclica Quas primas, e finalmente abre alas à independência da sociedade temporal em relação aos mandamentos de Deus.

 

V – A protestantização da missa.

 

O novo rito da missa “se afasta de maneira surpreendente, tanto em seu todo como nos detalhes” [6] da definição católica da Missa, tal como resulta dos ensinamentos do Concílio de Trento.Por suas omissões e equívocos, o novo rito de Paulo VI atenua a identificação da missa com o sacrifício da cruz, a tal ponto que a missa aparece ali muito mais como seu simples memorial do que como esse sacrifício.Esse rito reformado esconde também o papel do sacerdote em detrimento da  ação da comunidade dos fiéis.Ele diminui gravemente a expressão do fim propiciatório do sacrifício da missa, quer dizer, a expiação e a reparação do pecado.

 

Essas deficiências impedem de enxergar esse novo rito como legítimo.No interrogatório de 11-12 de janeiro de 1979, à questão colocada pela Congregação para a Doutrina da Fé:“O Sr. afirma que um fiel católico pode pensar e afirmar que um rito sacramental, em particular aquele da missa aprovada e promulgada pelo Sumo Pontífice, possa ser não conforme à fé católica ou favens haeresim?”, Dom Lefebvre respondeu:“Esse rito em si mesmo não professa a fé católica de uma maneira tão clara quanto o antigo Ordo missae e, consequentemente, ele pode favorecer a heresia.Mas eu não sei a quem atribui-lo, nem se o papa é responsável por isso.O que é assombroso é que um Ordo missae de sabor protestante, e portanto favens haeresim, possa ter sido difundido pela cúria romana” [7].Essas deficiências graves nos impedem de ver esse novo rito como legítimo, de o celebrar e de aconselhar a assiti-lo ou a participar dele ativamente.

 

VI – O novo Código, expressão das novidades conciliares.

 

Segundo as próprias palavras de João Paulo II, o novo Código de direito canônico de 1983 representa “um grande esforço de transferir para a linguagem canonística” [8] os ensinamentos do Concílio Vaticano II, compreendidos – e principalmente – os pontos gravemente falhos apontados até aqui. “Entre os elementos que exprimem a verdadeira e autêntica imagem da Igreja”, explica ainda João Paulo II, “cumpre mencionar os seguintes:a doutrina que propõe a Igreja como Povo de Deus (cf. Const. Lumen gentium, 2), e a autoridade hierárquica como serviço (ibid. 3); a doutrina que, além disso, apresenta a Igreja como comunhão e que, por conseguinte, estabelece as relações que deve haver entre a Igreja particular e a Igreja universal, e entre a colegialidade e o primado; a doutrina, segundo a qual todos os membros do Povo de Deus participam, cada qual a seu modo, do tríplice múnus de Cristo:sacerdotal, profético e régio.A esta doutrina está unida também a que se refere aos deveres e direitos dos fiéis e expressamente dos leigos; enfim, o esforço que a Igreja deve consagrar ao ecumenismo”.

 

Esse novo direito acentua a falsa dimensão ecumênica da Igreja, permitindo receber os sacramentos da penitência, da eucaristia e da extrema-unção de ministros não católicos (cânon 844) e favorece a hospitalidade ecumênica autorizando os ministros católicos a dar o sacramento da eucaristia aos não católicos.O cânon 336 retoma e acentua a idéia de um duplo sujeito permanente do primado.Os cânones 204 § 1, 208, 212 § 3, 216 e 225 acentuam o equívoco do sacerdócio comum e a ideia correlativa do Povo de Deus.Enfim, fica esboçada também no novo Código uma definição defeituosa do matrimônio, que não mostra mais o objeto preciso do contrato matrimonial nem a hierarquia entre os seus fins. Longe de favorecer a família católica, essas novidades abrem uma brecha na moral matrimonial.

 

VII – Uma nova concepção do magistério

 

1. A constituição Dei Verbum afirma, faltando de precisão, que “a Igreja, no decorrer dos séculos, tende continuamente para a plenitude da verdade divina, até que se cumpram nela as palavras de Deus” (DV 8). Essa imprecisão abre a porta ao erro da Tradição viva e evolutiva, condenada por São Pio X na Encíclica Pascendi e no Juramento antimodernista.Porque, segundo essa novidade, a Igreja poderia “tender para a plenitude da verdade divina” não só porque lhe daria uma expressão mais precisa, mas no sentido em que os dogmas propostos pela Igreja tomariam “um sentido diferente daquele que a Igreja compreendeu e ainda compreende” (Dei Filius, DS 3043).

 

2. O Discurso de Bento XVI, em 22 de dezembro de 2005, tentou justificar essa concepção evolutiva de uma Tradição viva e desculpar por isso mesmo o Concílio de uma ruptura na Tradição da Igreja.O Vaticano II quis “redefinir a relação da fé da Igreja com relação a certos elementos essenciais desse pensamento” e, para fazer isso, seus ensinamentos  “revisitaram ou igualmente corrigiram certas decisões históricas.Mas, nessa aparente descontinuidade, o Concílio manteve e aprofundou sua natureza [da Igreja] íntima e sua verdadeira identidade”, aquela “do único sujeito-Igreja, que o Senhor nos deu; é um sujeito que cresce no tempo e que se desenvolve, permanecendo sempre o mesmo, o único sujeito do Povo de Deus em marcha”.Essa explicação supõe que a unidade da fé da Igreja não repousa mais sobre um objeto (porque existe descontinuidade, pelo menos nos pontos indicados até aqui, entre o Vaticano II e a Tradição), mas sobre um sujeito, no sentido de que o ato de fé se define mais em função das pessoas que crêem do que em função das verdades cridas.Esse ato se torna principalmente a expressão de uma consciência coletiva, e não mais a adesão firme da inteligência ao depósito das verdades reveladas por Deus.

 

No entanto, Pio XII ensina na Humani generis que o magistério é a “regra próxima e universal da verdade em matéria de fé e de costumes”, verdade objetiva do depósito da fé, consignada como em suas fontes nas Sagradas Escrituras e na Tradição divina.E a constituição Dei Filius do Concílio Vaticano I ensina também que esse depósito não é “uma invenção filosófica que se poderia completar pelo gênio humano”, mas que ele foi “confiado à Esposa de Cristo para que ela guardasse santamente e declarasse infalivelmente” (DS 3020).

 

3. De modo manifesto, o discurso de abertura do Papa João XXIII (11 de outubro de 1962) e sua alocução dirigida ao Sacro Colégio em 23 de dezembro de 1962 atribuem ao Concílio Vaticano II uma intenção muito particular, que um tipo que se afirmava “pastoral”, em virtude do qual o magistério deveria “exprimir a fé da Igreja segundo os modos de busca e de formulação literário do pensamento moderno”.A encíclica Ecclesiam suam do Papa Paulo VI (6 de agosto de 1964) precisa ainda mais essa ideia dizendo que o magistério do Vaticano II visa “inserir a mensagem cristã na circulação do pensamento, da expressão, da cultura, dos costumes, das tendências da humanidade tal como ela vive e se move hoje em dia sobre a face da terra” (n° 70); em particular, o anúncio da verdade “não se apresentará armado da coerção exterior, mas pelos únicos caminhos legítimos da educação humana, da persuasão interior, da conversão ordinária, ela oferecerá seu dom de salvação, sempre no respeito da liberdade pessoal dos homens civilizados” (n° 77). A Constituição pastoral Gaudium et spes afirma que “o Concílio tem a intenção antes de tudo de distinguir sob essa luz aqueles valores que hoje são de máxima estimação, relacionando-os à sua fonte divina.Porque esses valores, enquanto procedem da inteligência do homem que lhe foi conferida por Deus, são muito bons. Mas por causa da corrupção do coração humano eles se afastam não raro da sua ordem devida e por isso precisam de purificação” (GS 11). Desses valores do mundo procedem as três grandes novidades introduzidas pelo Vaticano II:a liberdade religiosa, a colegialidade e o ecumenismo.

 

4. Nós nos apoiamos, então, sobre essa regra próxima e universal da verdade revelada que é o magistério de sempre para contestar as doutrinas novas que lhe são contrárias.Está bem aqui, de fato, o critério dado por são Vicente de Lérins:“O critério da verdade, e além disso o da infalibilidade do papa e da Igreja, é a sua conformidade à Tradição e ao depósito da fé. Quod ubique, quod semper.O que foi ensinado em todos os lugares e sempre, no espaço e no tempo” [9].Porém, a doutrina do Vaticano II sobre o ecumenismo, a colegialidade e a liberdade religiosa é uma doutrina nova, contrária à Tradição e ao direito público da Igreja, ele próprio baseado sobre princípios divinamente revelados e, enquanto tais, imutáveis.  

 

Nós concluímos daí que esse Concílio, tendo desejado propor essas novidades, está privado de valor magisterial vinculante, na mesma medida que os propõe.  Sua autoridade já é duvidosa em razão da nova intenção, que se diz “pastoral”, indicada no parágrafo precedente.Além disso, ela aparece certamente como nula quanto aos pontos determinados em que se encontra em contradição com a Tradição (cf. acima, I a VII,1).

 

 


 

Fiéis ao ensinamento constante da Igreja, junto com nosso venerado fundador, Dom Marcel Lefebvre, e seguindo suas pegadas, nós não cessamos de denunciar o Concílio e seus textos mais importantes como uma das causas principais da crise que abala a  Igreja de cima a baixo, impregnando-a até às suas “próprias entranhas” e às suas “veias”, segundo a vigorosa expressão de São Pio X. Além disso, quanto mais trabalhamos nisso, mais vemos que se confirmam as análises já expostas com uma extraordinária clareza por Dom Lefebvre em 9 de setembro de 1965 na aula conciliar.Permitam-nos retomar suas próprias palavras acerca da Constituição conciliar sobre “a Igreja no mundo de hoje” (Gaudium et spes):“Essa constituição não é nem pastoral, nem emana da Igreja católica:ela não oferece como alimento a verdade evangélica e apostólica aos homens e aos cristãos e, ainda por cima, a Igreja nunca falou assim.Não podemos escutar essa voz, porque ela não é a voz da Esposa de Cristo.A voz de Cristo, nosso Pastor, nós conhecemos.Esta, nós desconhecemos.A veste é a das ovelhas; a voz não é a do Pastor, mas pode ser do lobo. Eu disse” [10].Os cinqüenta anos decorridos depois dessa intervenção não fazem outra coisa senão confirmar essa análise.

 

Já em 7 de dezembro de 1968, apenas três anos depois do encerramento do Concílio, Paulo VI devia admitir:“A Igreja se encontra em uma hora de inquietude, de autocrítica, diríamos até mesmo de autodestruição.” E em 29 de junho de 1972, ele reconhecia:“Por alguma fissura a fumaça de Satanás entrou no templo de Deus:é a dúvida, a incerteza, a problemática, a inquietude, a confrontação.” Ele constatou, mas não fez nada.Ele continuou a reforma conciliar cujos promotores não duvidavam em comparar à Revolução liberal de 1789, na França, ou àquela comunista de 1917, na Rússia.

 

Nós não podemos ficar passivos, não podemos nos tornar cúmplices dessa autodestruição.É por isso que vos convidamos, caros amigos e benfeitores, a permanecer firmes na fé, e a não vos deixar perturbar por essas novidades de uma das mais aterradoras crises que a santa Igreja teve que atravessar.

 

Que a Paixão de Nosso Senhor e sua Ressurreição possam nos fortalecer na nossa fidelidade, no nosso amor indefectível a Deus, a Nosso Senhor, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, à santa Igreja, divina e humana, em uma esperança sem falha… in Te speravi non confundar in aeternum.Que o Coração doloroso e imaculado de Maria se digne proteger a todos nós e que chegue logo o seu triunfo!

 

Winona, domingo de Ramos, 13 de abril de 2014

+Bernard Fellay

 

[1] Dom Lefebvre, “Carta de 20 de dezembro de 1966 ao Cardeal Ottaviani” in Acuso o Concílio, Ed. Saint-Gabriel, Martigny, 1976, p. 107-111.

[2] Pio XII, Encíclica Mystici corporis, 29 de junho 1943.

[3] Pio XII, Encíclica Humani generis, 12 de agosto de 1950.

[4] Sobre o indiferentismo e o latitudinarismo, vide as proposições condenadas do Syllabus, capítulo 3, n°15 à 18 : “Cada homem é livre de abraçar e de professar a religião que considerar verdadeira com a luz da razão. Os homens podem encontrar o caminho da salvação eterna e alcançar a salvação eterna no culto de qualquer religião. É preciso pelo menos esperar bem na salvação eterna daqueles que não vivem no seio da verdadeira Igreja de Cristo. O protestantismo não é mais do que uma forma diversa da mesma verdadeira religião cristã, forma na qual é possível ser agradável a Deus tão bem quanto dentro da Igreja católica”.

[5] Pio XI, Encíclica Mortalium animos, 6 de janeiro de 1928.

[6] Cardeais Ottaviani e Bacci, “Prefácio ao Papa Paulo VI” no Breve exame crítico do Novo Ordo Missae.

[7] “Mgr Lefebvre et le Saint-Office”, Itinéraires n° 233 de maio de 1979, p. 146-147.

[8] João Paulo II, Constituição apostólica Sacrae disciplinae leges, 25 de janeiro de 1983.

[9] Dom Lefebvre, “Conclusão” in Acuso o Concílio, Ed. Saint-Gabriel, Martigny, 1976, p. 112.

[10] Dom Marcel Lefebvre, Acuso o Concílio, Ed. Saint Gabriel, 1976, p. 93.