Caros Amigos e Benfeitores,

Faz dezessete anos, o futuro Papa Bento XVI apresentou sua visão do porvir da Igreja; parecia bastante pessimista. Ele previa uma fragmentação do Corpo místico a tal ponto que se reduziria a um conjunto de pequenos grupos ainda vivos, mas em meio de uma decadência generalizada:

“Talvez tenhamos que dizer adeus à ideia de uma Igreja reunindo todos os povos. É possível que estejamos no limiar de uma nova era na história da Igreja, constituída de forma completamente diferente, em que o cristianismo existirá principalmente sob o sinal do grão de mostarda, em pequenos grupos aparentemente sem importância, mas que viverão intensamente para lutar contra o mal e implantar o bem no mundo…” (Le Sel de la Terre, Flammarion, 1997, p. 16.)

“Ela se parecerá menos com as grandes sociedades, será principalmente a Igreja das minorias, ela se perpetuará nos pequenos grupos que permanecerem, onde aquelas pessoas que estão convencidas e que creem agirão segundo a sua fé. Mas é precisamente assim que ela se tornará, como diz a Bíblia, ‘o sal da terra’.” (Ibid. p. 214.)

Esta visão é resultado da sagacidade do Cardeal Josef Ratzinger ou se inspira em outra fonte, como o segredo de Fátima? Só ele pode responder. De qualquer forma, pouco a pouco, e particularmente depois do Concílio, assistimos à lenta desaparição da Igreja tal como se apresentou durante pelo menos 1500 anos, ou seja, como uma sociedade que impregnou profundamente toda a vida humana, todo o corpo social, tentando formar um conjunto harmonioso com o temporal, mesmo se esse poder temporal tentou tantas vezes interferir no poder espiritual da Igreja. Desde a Revolução francesa, constata-se não apenas a separação dos dois poderes, mas também uma vontade incessante de combater e de reduzir a influência tão benéfica da Igreja na sociedade humana. Desde o pós-Concílio, com o declínio assustador do número de vocações sacerdotais, com a perda de centenas de milhares de religiosos e religiosas que tinham dado suas vidas a Deus e ao próximo, esta presença da Igreja nas escolas, nos hospitais, na vida social e política quase desapareceu. Nenhuma medida séria foi tomada para deter este desaparecimento catastrófico da Igreja na sociedade. Ela está cada vez mais reduzida à sacristia. Pior ainda, nos países onde a Igreja tinha dispensado seus benefícios, nos países que antigamente eram chamados cristãos, até mesmo ali as igrejas e as sacristias estão vazias… Não estamos muito longe da visão quase profética do Cardeal Ratzinger.

Mas estes fatores externos são agravados por outros, próprios da vida interna da Igreja; eles são sinais de fraqueza diante de um inimigo que não é mais exterior, mas agora interior. Cada vez mais claramente se dissolvem a unidade da fé e a unidade de governo na santa Igreja; quanto à unidade litúrgica, já faz certo tempo que ela explodiu pelos ares com as aberturas feitas pela missa nova na direção da “criatividade”, notavelmente com a multiplicação de orações eucarísticas. Quanto à moral, o último Sínodo sobre a família é uma indicação trágica da proliferação de opiniões contraditórias que existem nessa área, e que autoridade não parece capaz de conter, quando ela mesma não as promove…

Em meio a este desastre, notado por muitos observadores, não há dúvida que a nossa pequena Fraternidade parece como “um pequeno grupo aparentemente sem importância, mas que vive intensamente para lutar com o mal e estabelecer o bem no mundo…” Se, por um lado, a visão da Igreja desfigurada nos traz uma desolação profunda, por outro lado, cantamos todos os dias o Magnificat pelas maravilhas que o Todo-Poderoso ainda nos permite realizar.

 

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Gostaríamos de dar-lhes nestas poucas linhas uma visão geral do desenvolvimento atual da Fraternidade, que apesar dos golpes recebidos de todos os lados, continua a difundir a graça de Deus e a fortalecer as almas em sua peregrinação difícil e perigosa para o Céu. Faz um longo tempo, percebemos que uma atenção especial deve ser dada à família cristã, lar sagrado onde nascem as crianças destinadas não só à vida nesta terra, mas à vida do Céu. Há algo de assustador e diabólico no requinte de crueldade que é usado para atacar este santuário, desde a vida da criança por nascer no ventre de sua mãe.

Dado o número de famílias numeras, cultivando calmamente a virtude e buscando a glória de Deus sem descuidar, pelo contrário, os seus deveres para com o próximo e a sociedade, só podemos bendizer a Nosso Senhor e admirar o trabalho tão eficaz da graça! Sim, queridas famílias, se a vida cristã tem suas exigências, a ajuda de Deus, a graça nunca falha, independentemente das circunstâncias que muitas vezes pedem-lhes um certo heroísmo. Os senhores dão, pelo simples fato de sua vida cristã e de seus esforços, a prova de que esta vida ainda é possível, e que aqueles que abandonam os mandamentos de Deus para buscar outras formas mais acomodadas com o mundo moderno são derrotistas que perderam o espírito de fé que deve animar a todo cristão.

Esta vida de fé precisa ser protegida e, para crescer, ela precisa da escola católica. Esta sempre foi uma das principais preocupações da Igreja, a tal ponto que constitui uma obrigação grave dos pais cuidar da educação católica dos seus filhos, até cominar ainda hoje com sanções àqueles que descuidarem do seu dever! (Cf. Código de Direito Canônico de 1917, cânon 2319, § 2-4 ; Código de 1983, cânon 1366.)

Esta é uma preocupação grave, bem concreta: onde encontrar em nossos dias escolas autenticamente católicas, onde o ensino da fé realmente permeia todas as disciplinas? Instituições onde se preparam os futuros pais e mães da família para os combates necessários neste mundo para conquistar o Céu?

É por isso que um dos nossos maiores esforços se concentra nas escolas. Dedicamos a elas, no mundo inteiro, a maioria dos nossos recursos, tanto humanos como materiais. E, de fato, uma centena de escolas, de diferentes tamanhos, forma para o futuro milhares de cristãos convencidos.

Se a família e a escola fornecem uma proteção indispensável aos jovens em formação, o que fazer para apoiar aqueles que deixam a casa paterna e entram no mundo? Esta é uma grande preocupação para nós, a perseverança destes jovens adultos no bem e na virtude, mantendo suas almas em estado de graça em um mundo tão pervertido. Não encontramos antídoto mais forte que os Exercícios espirituais de Santo Inácio, que certamente consideramos como um dos maiores tesouros e meios de santificação depositados em nossas mãos – depois do Santo Sacrifício da Missa. Eles são realmente feitos para o nosso tempo, capazes de dar coragem, força, heroísmo necessários hoje a todos os homens de boa vontade. É por isso que nós pedimos com insistência que não descuidem deste meio colocado à disposição dos senhores. Sem dúvida, consideramos os Exercícios espirituais como uma das pontas de lança da Fraternidade e a causa deste verdadeiro milagre da graça que constitui a vida cristã hoje em dia.

Mas a vida sobrenatural não seria possível sem o sacerdote, instrumento privilegiado, querido e escolhido por Deus para difundi-la no Corpo místico, especialmente por meio do Santo Sacrifício da Missa. A conexão íntima que deve unir o sacerdote e a Missa é o testamento que Dom Lefebvre nos deixou. Porque a Missa é a fonte de toda santificação e o sacerdote, antes de qualquer pessoa, deve beber nela para depois beneficiar as almas que lhe foram confiadas: “Eu me santifico por eles, dizia Nosso Senhor, a fim de que eles também sejam santificados na verdade” (Jo 17, 19).

Este mistério está no coração dos nossos seminários. Tenhamos um zeloso cuidado, e nos importemos com tudo o que possa servir para embelezar as cerimônias litúrgicas. A beleza dos sinais exteriores reflete a sublimidade dos mistérios pelos quais se realiza a nossa Redenção. Assim, essas cerimônias, ao mesmo tempo grandiosas e íntimas, são como um prelúdio do Céu.

É a alegria e o privilégio cotidiano dos nossos quase 200 seminaristas, assim como da quarentena de pré-seminaristas espalhados em nossos seis seminários em quatro continentes. Nos Estados Unidos, o número cada vez maior nos obriga a construir um novo, em Virgínia, que deve estar pronto na próxima Quaresma.

A isso se soma a construção de numerosas igrejas ao redor do mundo, refletindo o dinamismo da fé. Sim, verdadeiramente, a fé pode mover montanhas! Creio que somente a fé pode explicar este fenômeno que ultrapassa as forças humanas. Graças a Deus, a constante generosidade e o zelo ardente dos senhores tornam tais realizações possíveis. Estamos profundamente agradecidos. Tenham certeza da oração dos seminaristas, padres, religiosos e religiosas que diariamente pedem a Deus para que lhes devolva o cêntuplo por seus benefícios.

Que Nossa Senhora os guarde na caridade e na paz, queridos Amigos, e que seu Coração Imaculado conduza a todos os senhores à bem-aventurança eterna.

Na festa da Apresentação de Nossa Senhora, 21 de novembro 2014

+ Bernard Fellay