20/12/1905

 

S. CONGREGAÇÃO DO CONCÍLIO

Decreto “Sacra Tridentina Synodus”

 

1. O Sagrado Concílio de Trento, tendo em conta as inefáveis graças que provêm aos fiéis de receber a Santíssima Eucaristia (Sess. XXII, Cap. VI), diz: “Deseja na verdade o Santo Concílio que em cada uma das missas os assistentes comunguem, não só espiritual, mas também sacramentalmente“. Estas palavras mostram assaz claramente o desejo da alegria de que todos os fiéis cristãos tomem diariamente parte naquele celestial banquete, para dele auferirem mais abundantes frutos de santificação.

2. Estes desejos coincidem com aqueles em que estava abrasado Nosso Senhor Jesus Cristo ao instituir este divino Sacramento. Pois Ele próprio indicou diversas vezes, com grande clareza, a necessidade de comer amiúde a sua carne e de beber o seu sangue, especialmente com essas palavras: “Este é o pão que desceu do céu; não como o maná que comeram nossos pais e morreram; quem come este pão viverá eternamente” (Jo 6, 59). Facilmente podiam os discípulos deduzir da comparação do Pão dos Anjos com o pão e com o maná que, assim como o corpo se alimenta de pão diariamente, e cada dia eram recreados os hebreus no deserto com o maná, do mesmo modo poderia a alma cristã comer e regalar-se diariamente, com o Pão do céu. Além de que quase todos os Santos Padres da Igreja ensinam que o que se manda pedir na Oração dominical: o pão nosso de cada dia, se há de entender não tanto do pão material, alimento do corpo, quanto da recepção diária do Pão Eucarístico.

3. Mas Jesus Cristo e a Igreja desejam que todos os fiéis cristãos se aproximem diariamente do sagrado festim, principalmente para que, unidos com Deus por meio dos Sacramentos, ganhem forças para refrear as paixões, se purifiquem das culpas leves cotidianas e impeçam os pecados graves a que está exposta a fragilidade humana; não precisamente para honra e veneração de Deus, e recompensa ou prêmio conferido às virtudes dos que o recebem.(S. August., Serm. 57.in Math. De Orat. Dom., v. 7). Donde vem que o Sagrado Concílio de Trento chame à Eucaristia antídoto, com o qual nos livramos das culpas cotidianas e nos preservamos dos pecados mortais. (Sess. 13, Cap. II).

4. Os primeiros fiéis cristãos, compreendendo a saciedade esta vontade de Deus, todos os dias se acercavam desta Mesa de vida e fortaleza. Eles perseveravam na doutrina dos Apóstolos e na comunicação da fração do Pão (At 2, 42). E assim se fez também durante os séculos seguintes, não sem grande fruto de perfeição e santidade, como nos testificam os Santos Padres e escritores escolásticos.

5. Mas decrescendo e esfriando pouco a pouco a piedade, e principalmente quando mais tarde grassava por toda parte a heresia jansenista, começou-se a disputar acerca das disposições necessárias para a comunhão freqüente e diária, e a exigi-las à porfia cada vez maiores e mais difíceis. Estas disputas deram em resultado que só pouquíssimos eram tidos na conta de dignos de receber diariamente a Santíssima Eucaristia e de tirar deste saudável Sacramento frutos abundantes, e contentando os demais com alimentar-se dele uma vez por ano, por mês, ou quando muito, por semana. E chegou-se a esse extremo de severidade, que se excluíam da freqüência da celestial Mesa classes sociais inteiras, como aos comerciantes, e às pessoas casadas.

6. Outros, por sua vez, perfilharam a opinião contrária. Considerando estes como ordenada por direito divino a Comunhão diária, para que não passasse um só dia sem comungar, sustentavam, além de outras coisas fora dos costumes aprovados pela Igreja, que devia receber-se a Eucaristia até na Sexta-feira Santa, e de fato a administravam.

7. Não deixou a Santa Sé de cumprir o seu dever a este respeito. Pois, por um decreto desta Sagrada Congregação, que começa Cum ad aures, do dia 12 de fevereiro de 1679, aprovado por Inocêncio XI, condenou esses erros, e cortou os abusos, de qualquer classe social, sem excetuar de maneira alguma os comerciantes e os casados, fossem admitidas à Comunhão freqüente, segundo a piedade de cada um e o parecer de seu confessor. No dia 7 de dezembro de 1690 foi condenada pelo decreto Sanctissimus Dominus noster, de Alexandre VIII, uma preposição de Baio que exigia daqueles que quisessem abeirar-se da sagrada Mesa, um amor de Deus puríssimo sem mescla de defeito algum.

8. Contudo não desapareceu por completo o veneno jansenista que havia contagiado até as almas piedosas, sob color de honra e veneração devidas à Eucaristia. A discussão das disposições para comungar bem e com freqüência, sobreviveu às declarações da Santa Sé; resultando daqui que até teólogos de nomeada julgaram que só se podia permitir ao fiéis a Comunhão cotidiana raras vezes, e preenchidas muitas condições.

9. Por outra parte, não faltaram homens dotados de ciência e de piedade que deram franco acolhimento a esse costume tão salutar e aceito a Deus, ensinando, estribados na autoridade dos Santos Padres, que nunca a Igreja tinha preceituado maiores disposições para a Comunhão diária que para a semanal ou mensal, que eram sobremodo mais abundantes os frutos da Comunhão diária, que os da semanal ou mensal.

10. As discussões sobre esse ponto aumentaram e exacerbaram-se em nossos dias; e com isso se inquieta a mente dos confessores e a consciência dos fiéis, com não pequeno dano da piedade e fervor cristãos. Por isso homens ilustres e Pastores suplicaram encarecidamente ao Nosso Santíssimo Senhor Papa Pio X, que resolva com a sua suprema autoridade a questão cerca das disposições para receber diariamente a Eucaristia, para que esse costume tão salutar e tão agradável a Deus, não só não diminua entre os fiéis, mas sim aumente e se propague por toda parte, precisamente nestes tempos em que a Religião e fé católicas são combatidas de todos os lados e vai rareando e esfriando cada vez mais o verdadeiro amor de Deus e a piedade. E Sua Santidade, tendo deveras a peito, devido ao seu zelo e solicitude, que o povo seja chamado ao sagrado banquete com muitíssima freqüência e até diariamente, e aproveite os seus grandíssimos frutos, confiou a esta Congregação o exame e a resolução da referida questão. A Sagrada Congregação do Concilio, em sessão geral de 16 de dezembro de 1905, examinou detidamente este assunto, e pesadas maduramente as razões de um e outro lado, determinou e declarou o que segue:

1. Facilite-se a todos os fiéis, de qualquer ordem ou condição, a Comunhão freqüente e diária, tão desejada por Cristo Nosso Senhor, e pela Igreja Católica: nem seja lícito proibir o acesso à sagrada Mesa a quem esteja em estado de graça e se aproxime com reta e pia intenção.

2. A intenção é reta quando vamos à Mesa eucarística, não por costume, nem por vaidade, ou por qualquer outro motivo humano, mas para cumprir a vontade de Deus, para mais nos unir com Ele por amor, e para buscar na Eucaristia o remédio divino em nossos defeitos e misérias.

3. A quem comunga freqüente e diariamente convém muitíssimo fugir dos pecados veniais, ao menos dos plenamente deliberados, e até do afeto a eles. Mas basta estar isento do pecado mortal, com o propósito de não voltar a cair nele. Este propósito, quando é sincero, não pode fazê-lo quem comunga todos os dias sem que pouco a pouco venha a perder o afeto às culpas veniais.

4. Como os Sacramentos da Nova Lei, ainda que produzam seu efeito ex opere operato, são tanto mais abundantes em frutos quanto maiores são as disposições de quem os recebe, deve fazer-se diligentemente a preparação para a Sagrada Comunhão e dar depois desta a conveniente ação de graças, segundo as forças, condições e deveres de cada um.

5. Para que a Comunhão freqüente e diária se faça com mais prudência e maior fruto, deve pedir-se conselho ao confessor. E tenha o confessor cuidado para não desviar da Comunhão freqüente e diária ninguém que viva em estado de graça e se acerque da sagrada Mesa com reta intenção.

6. É claro que por meio da Comunhão freqüente ou diária se estreita a união com Cristo, se robustece a vida espiritual, se enriquece a alma com maior tesouro de virtudes, e se assegura melhor a vida eterna. Por isso os párocos, os confessores e os pregadores, em harmonia com a doutrina do citado Catecismo Romano, exortem freqüentemente e com muita instância o povo cristão a tão pia e salutar prática.

7. Promova-se a Comunhão freqüente e diária principalmente nos Institutos religiosos, de qualquer classe que sejam, para os quais, não obstante, fica em vigor o decreto Quemadmodum, de 17 de dezembro de 1890, dado pela S. C. dos Bispos e Regulares. Promovam-se também quanto for possível nos Seminários de Clérigos, cujos alunos aspiram ao ministério do altar, ou mesmo em qualquer outra classe de colégios cristãos.

8. Se há alguns institutos, de votos simples ou solenes, cujas regras, constituições ou Calendários apontem e ordenem alguns dias de Comunhão, estas normas hão de ter-se como meramente diretivas e não como preceptivas. E o número prescrito de Comunhões há de considerar-se como o mínimo para os Religiosos piedosos. Pelo que se lhes deverá deixar sempre livre a Comunhão mais freqüente ou diária, segundo as normas anteriores deste Decreto. Mas para que todos os Religiosos dos dois sexos possam inteirar-se bem das disposições deste Decreto, os Superiores de cada uma das casas terão cuidado de que todos os anos, dentro da oitava do Corpo de Deus, seja lido à comunidade em língua vulgar.

9. Finalmente abstenham-se todos os escritores eclesiásticos, desde a promulgação deste Decreto, de toda a disputa ou discussão acerca das disposições para a freqüente e diária Comunhão.

Tendo dado conta de tudo isto ao N. Santíssimo Pio X Papa, o abaixo assinado Secretário da S. C., em audiência de 17 de dezembro de 1905, Sua Santidade ratificou este Decreto dos Eminentíssimos Padres, confirmou-o e mandou-o publicar, não obstante qualquer coisa em contrário. Mandou, ademais, mandou que se enviasse a todos os Ordinários e Prelados regulares, para que o comuniquem aos seus Seminários, Párocos, Institutos religiosos e Sacerdotes respectivamente, e dêem conta à Santa Sé em seus relatórios do estado da Diocese ou Instituto, da execução do que nele se estabelece.

Dado em Roma, 20 de dezembro de 1905.

† Vicente, Card. Bispo de Palestrina, Prefeito.
C. de Lai, Secretário.