por Santo Afonso Maria de Ligório

Sempre tenha o livro sagrado em suas mãos,
para que ele possa alimentar sua alma pela leitura devota.

S. JERÔNIMO, (Carta a São Paulino).

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DA LEITURA ESPIRITUAL

1. Se a oração é útil para a vida espiritual, talvez não o seja menos a leitura dos livros de piedade. Segundo S. Bernardo, nós aí aprenderemos, ao mesmo tempo a fazer oração e a praticar as virtudes. Donde concluía que a leitura e a oração são armas com que se pode vencer o inferno e adquirir o paraíso.[1] Nem sempre podemos ter junto de nós nosso padre espiritual, para nos ajudar com seus conselhos em todas as nossas ações, e especialmente em nossas dúvidas; mas a leitura supre tudo, nos fornece as luzes necessárias e nos ensina como havemos de proceder para evitar as ciladas do demônio e do nosso amor próprio, e para nos conformarmos com a vontade de Deus. — Dizia por isso Sto. Atanásio que não se verá ninguém que de propósito se aplique ao serviço de Deus, que não seja dado a leitura espiritual.[2] — É por isso que todos os fundadores de ordens muito recomendaram este santo exercício aos seus religiosos. — S. Bento, entre outros, ordenou que cada um dos seus monges fizesse todos os dias a sua leitura, e que houvesse dois encarregados de ir visitar as celas, para verem se todos observavam esta regra; e quando se achava algum nisto negligente, queria que fosse penitenciado. — Mas, antes de todos, o Apóstolo a impôs a seu discípulo Timóteo, dizendo-lhe: Aplica-te à leitura.[3]

Estas palavras são dignas de nota: Significam que, por mais ocupado que estivesse S. Timóteo nos seus trabalhos pastorais, como bispo, S. Paulo queria que se aplicasse ainda a leitura dos livros santos, e isto não de passagem e por pouco tempo, mas aturadamente.

2. — Tanto é nociva a leitura dos livros maus, quanto proveitosa a dos bons. Assim como esta foi muitas vezes a causa da conversão dos pecadores, assim aquela não cessa de perverter uma multidão de moços inexperientes. — O Espírito de Deus é o primeiro autor dos livros de piedade, ao passo que o autor dos livros perniciosos é o espírito do demônio, que muitas vezes tem a arte de ocultar o veneno aos olhos de certas pessoas, sob o pretexto de que tais livros servem para aprenderem o modo de falar bem e conhecerem as coisas do mundo para seu bom governo, ou ao menos para passarem o tempo sem enfado. — Para as religiosas, sobretudo, eu digo que nada é mais pernicioso do que a leitura dos maus livros. E por maus livros eu entendo não só os proibidos pela Santa Sé que tratam de heresia e de matérias torpes, mas também todos o que versam sobre amores mundanos. Que piedade poderá ter uma religiosa que lê romances, comédias ou poesias profanas? Que recolhimento poderá ter na oração e na comunhão? Deverá essa tal chamar-se esposa de Jesus Cristo? Ou antes, uma má esposa do mundo? Pois que até as jovens do século, que soem ler esses livros, raramente são boas seculares.

3. — Mas, dirá aquela, que mal fazem os romances e as poesias profanas, onde não há palavras imodestas? Vós perguntais que dano fazem? Ei-lo: inflamam a concupiscência, despertam, sobretudo, as paixões, as quais facilmente dominam a vontade, ou, ao menos, a enfraquecem de tal modo que, apresentando-se depois a ocasião de conceber alguma afeição desregrada, o demônio acha o coração já disposto para vencê-lo. — Notou um sábio autor: É pela leitura de tais livros perniciosos que a heresia fez e faz todos os dias tantos progressos; porque ela assim deu e dá mais força à libertinagem. O veneno desses livros entra pouco a pouco na alma; apodera-se primeiro do espírito, infecciona depois a vontade e acaba por dar a morte à alma. O demônio talvez não tenha meio mais eficaz e mais seguro para perder uma jovem, do que a leitura de tais livros envenenados. Oh que assolação não fará esse veneno, se acaso se introduzir em uma comunidade? Bastará um só livro mau desta espécie para arruiná-la! — Esposa bendita do Senhor, se vos acontecer ter nas mãos um livro semelhante, lançai-o imediatamente no fogo; digo no fogo, para não aparecer mais. Se fordes superiora, empregai todos os esforços possíveis, para extirpar e afastar essa peste do convento sob pena de dar contas severas a Deus, nosso Senhor.

4. — Adverti, além disso, que certos livros não serão maus por si mesmos, mas serão inúteis para o vosso proveito espiritual. Esses serão também nocivos para vós, porque vos farão perder o tempo que podereis empregar em ocupações proveitosas para a alma. — Eis que S. Jerônimo escreveu para a sua discípula Sta. Eustóquia, para instruí-la: Na sua solidão de Belém, ele apreciava e lia muitas vezes os livros de Cícero; e, ao contrário, tinha certo horror aos livros sagrados, pelo estilo inculto que achava nestes. Sobreveio-lhe uma enfermidade grave, na qual se viu transportado e apresentado ao tribunal de Jesus Cristo. Então o Senhor lhe perguntou: Quem és? — Ele respondeu: Eu sou cristão. — Mentes, replicou o Juiz; tu és cristão? Não. Tu és ciceroniano e não cristão. — E ordenou que imediatamente fosse flagelado. O santo logo prometeu emendar-se, e, voltando a si, achou as espáduas lívidas e contundidas, em consequência do castigo recebido durante a visão. Desde este momento, deixou as obras de Cícero e entregou-se à leitura dos livros sagrados. — É verdade que alguns autores profanos às vezes apresentam algum pensamento útil à vida espiritual; mas o mesmo S. Jerônimo, escrevendo a uma outra sua discípula, faz esta sábia reflexão: Que necessidade tens de procurar um pouco de ouro no meio da lama, quando podes ter livros de piedade onde acharás ouro puro, sem mistura de lama?[4]

As obras de teologia moral são também livros ordinariamente inúteis e algumas vezes mesmo nocivos para as religiosas, porque podem facilmente perturbar-lhes a consciência, ou ensinar-lhes o que lhes seria mais vantajoso ignorar. Igualmente, a leitura dos livros de teologia mística pode ser nociva a algumas, que presumam ter pretensões à oração sobrenatural: para consegui-lo, deixariam a costumada oração ordinária, que consiste na meditação e nos afetos, e desta arte ficariam privadas de ambas; pois ninguém se deve elevar à contemplação, se Deus a não leva a tal manifestamente. — É por isso que Sta. Teresa apareceu, depois de sua morte, a uma de suas filhas e ordenou que as superioras proibissem às religiosas ler o que ela escreveu sobre as visões e revelações; e acrescentou que ela se tinha santificado pelo exercício das virtudes e não com as visões e revelações.

5. — Voltemos ao nosso assunto, e consideremos os felizes efeitos que produz em nós a leitura dos bons livros.

Primeiramente, se a leitura dos maus livros, como dissemos, nos enche de sentimentos mundanos e perniciosos, a dos bons livros, ao contrário, nos sugere bons pensamentos e santos desejos. Quando uma religiosa passa parte considerável do dia a ler livros curiosos e profanos, que lhe abarrotam o espírito com uma multidão de ideias mundanas e afetos terrenos, como pode recolher-se, ocupar-se de pensamentos piedosos, conservar-se na presença de Deus e produzir frequentes atos de virtudes? — O moinho mói o grão que recebe. Se recebe mau grão, como poderá dar boa farinha? — Depois de ter empregado um bom espaço de tempo em ler algum livro curioso, vá uma religiosa à oração, à comunhão; em vez de pensar em Deus e de fazer atos de amor e de confiança, estará toda distraída; por que a lembrança de todas as vaidades que leu, se apresentará ao seu espírito. — Ao contrário, aquela que nutre seu espírito com coisas edificantes, tais como as máximas espirituais e os exemplos dos santos, não só no tempo da oração, mas ainda fora dela, será sempre acompanhada de santos pensamentos e se conservará quase sempre unida a Deus. — S. Bernardo nos faz compreender bem esta verdade, por uma outra comparação, ao explicar as palavras do divino Mestre: Procurai e achareis.[5]— Procurai pela leitura dos livros de piedade, diz ele, e achareis na meditação, o que houverdes buscado; porque a leitura nos põe na boca a nutrição espiritual, que digerimos depois na meditação.[6]

6. — Em segundo lugar, a alma que se nutre de santos pensamentos na leitura, tem mais força para repelir as tentações interiores. — Eis o conselho que dava S. Jerônimo à Salvina, sua discípula: Procura ter sempre à mão algum bom livro, afim de que te sirva de escudo para te defender dos maus pensamentos.[7]

Em terceiro lugar, a leitura espiritual nos ajuda a descobrir as máculas de nossa alma e a fazê-las desaparecer. O mesmo S. Jerônimo em sua carta a Demetriades, lhe recomenda o uso da leitura espiritual como de um espelho.[8] Queria dizer que, assim como o espelho nos mostra as manchas que temos no rosto, assim os bons livros nos fazem conhecer as faltas que mancham a nossa consciência. — Falando da leitura espiritual, S. Gregório diz: Nela podemos contar nossas perdas e nossos adiantamentos de espírito: nela observamos o atraso ou proveito que temos adquirido no caminho de Deus.[9]

Em quarto lugar, na leitura dos livros santos, recebem-se muitas luzes e inspirações divinas. — Dizia S. Jerônimo que na oração nos falamos a Deus, mas na leitura é Deus que nos fala.[10] O mesmo dizia Sto. Ambrósio: Quando oramos, Deus escuta as nossas preces; mas quando lemos, escutamos a voz de Deus.[11] — Como já vos disse, não podemos ter sempre, perto de nós, nosso padre espiritual, nem ouvir os santos pregadores que nos dirigem e nos comunicam as luzes necessárias para caminhar bem no caminho do Senhor: Os bons livros suprem suas instruções. — Sto. Agostinho diz que eles são outras tantas cartas que o Senhor em sua bondade nos envia, para nos advertir dos perigos que corremos, nos ensinar os caminhos da salvação, nos animar a sofrer as adversidades, nos esclarecer e inflamar de seu divino amor. Quem, pois deseja salvar-se e adquirir o amor divino, deve ter frequentemente estas cartas do paraíso.

7. — Quantos santos, pela leitura de algum bom livro, se decidiram a deixar o mundo e se entregar a Deus! É sabido que Sto. Agostinho estava miseravelmente encadeado por suas paixões e vícios, e, com a leitura de uma Epístola de S. Paulo, foi iluminado pela divina luz, saiu das suas trevas e começou a se santificar. — O mesmo sucedeu a Sto. Inácio de Loyola. Era soldado e estava preso no leito por uma grave enfermidade. Para se desenfastiar pôs-se a ler as vidas dos santos em um livro que tomou ao acaso. Isto foi bastante para se determinar a começar uma vida santa; e eis como veio a ser o pai e fundador da Companhia de Jesus, que tanto bem tem feito à Igreja. — Assim também S. João Colombini, lendo quase contrariado um livro de piedade, resolveu a deixar o mundo, se santificou e fundou também um instituto religioso. — Eis ainda o que conta Sto. Agostinho: Dois cortesãos do Imperador Teodósio entram um dia em um mosteiro. Um deles se põe a ler por acaso a vida de Sto. Antão abade, que encontra em uma cela, e logo se sente tão penetrado de santos pensamentos, que toma a resolução de renunciar o mundo. Depois, fala com tanto ardor ao seu companheiro, que o persuade a ficar com ele no mosteiro para se consagrarem ao serviço de Deus. — Lê-se também na crônica dos Carmelitas descalços que uma senhora de Viena se tinha preparado para ir uma tarde a um festim. Não se realizando, porém este, ela tomou para distrair a sua cólera, um livro de piedade com que deparou, e nele aprendeu tão bem o desprezo do mundo, que o abandonou com suas vaidades e se fez carmelita da reforma de Sta. Teresa. — O mesmo aconteceu à duquesa de Montalto, na Sicília, a qual, também por acaso, se pôs, um dia, a ler as obras de Sta. Teresa; e tanta impressão lhe causaram que obteve o consentimento de seu marido e entrou na ordem das Carmelitas descalças.

8. — A leitura dos livros espirituais foi útil aos santos, não só no começo de sua conversão, mas também durante toda a sua vida, para se manterem e aproveitarem cada vez mais no caminho da perfeição. — O glorioso S. Domingos beijava ternamente seus livros de piedade e os apertava com amor ao seu coração, dizendo: “Estes livros me dão o leite que me nutre”. — E como poderiam os anacoretas passar tantos anos a viver no deserto, longe de todo o comércio com os homens, se não tivessem a prática da oração e o uso dos livros espirituais? — O grande servo de Deus Tomas de Kempis não podia gozar de mais doce consolação, do que estar em um canto de sua cela a ler um livro que lhe falasse de Deus. — O mesmo se dava com o venerável padre Vicente Carafa, já citado em outro lugar: assegurava que não podia aspirar maior felicidade neste mundo, do que passar a sua vida em uma pequena gruta, com um pedaço de pão e um livro de piedade. — S. Filipe Nery empregava todas as horas de que podia dispor, em ler livros espirituais, e particularmente as vidas dos santos.

9. — Se me perguntardes agora que livro seria preferível para vós, que sois religiosa, eu vos aconselho antes de tudo que procureis ter aqueles em que vossa alma acha mais devoção e dos quais mais vos aproveitastes para ter união com Deus. Tais podem ser as obras de S. Francisco de Sales, de Sta. Teresa, de Luiz de Granada, de Rodrigues, de Saint-Jure, de Nieremberg, de Pinamonti, e outros semelhantes, especialmente os Avisos aos Religiosos pelos Padres de S. Mauro e o Diretório ascético do Pe. Scaramelli, obra moderna, mas muito doutra e devota. — De resto, geralmente falando, eu vos aconselho a deixar os livros difíceis, e escolher os que são devotos e fáceis. Procurai ler as matérias que sabeis serem mais úteis para a vossa perfeição. Lede muitas vezes, entre outros, as vidas dos santos e principalmente das santas e santos que foram religiosos, como de Sta. Teresa, de Sta. Maria Madalena de Pazzi, de Sta. Catarina de Senna, de Sta. Joana de Chantal, da Venerável Sór Francisca Farnese, da Venerável Sór Serafina de Capri, de S. Pedro de Alcântara, de S. João da Cruz, de S. Francisco de Borgia, de S. Luiz Gonzaga, e outros. Lede também frequentemente as vidas dos santos mártires, principalmente de tantas santas virgens que deram a vida por Jesus Cristo. Para este fim podeis adquirir as vidas dos santos publicadas pelo padre Croiset, as quais se vendem em três volumes separados da sua obra grande dos Exercícios de Piedade.

Oh! como é vantajoso ler as vidas dos santos! Nos livros de instrução sobre as virtudes, vê-se o que se deve fazer, mas nas vidas dos santos se mostra o que fizeram tantos homens e tantas mulheres que eram da mesma carne que nós. Seu exemplo se outra utilidade não nos trouxesse, ao menos nos faria humilhar e prostrar com a face em terra. Quando lemos as grandes coisas que fizeram os santos, de certo nos envergonhamos do pouco que fizemos e fazemos por Deus.

10. — Falando de si mesmo, dizia Sto. Agostinho: Meu Deus, a consideração dos exemplos dos vossos servos consumia a minha tibieza e me inflamava de amor para convosco.[12] — S. Boaventura escreveu também de S. Francisco, que, quando ele pensava nos santos e em suas virtudes, se sentia tão abrasado de novo amor de Deus, como se estivesse em contato com outras tantas pedras encandecidas.[13]

S. Gregório conta que havia em Roma um pobre chamado Sérvulo, que era enfermo e tinha necessidade de mendigar para viver. Das esmolas que recebia dava uma parte aos outros pobres como ele, e com outra parte comprava também alguns livros devotos. Não lia, mas os fazia ler por outros a quem dava hospedagem nos aposentos em que dormia. Deste modo, diz S. Gregório, Sérvulo adquiriu uma grande paciência e, ao mesmo tempo, uma admirável ciência das coisas divinas. Quando chegou o tempo de morrer, pediu a seus amigos que continuassem a sua cara leitura; mas, antes de expirar, os interrompe, dizendo: “Calai-vos, calai-vos. Não ouvis como todo o paraíso ressoa em cânticos e harmonias?”. E, dizendo estas palavras, terminou docemente a vida. Apenas expirou, um odor celeste se espalhou pelo quarto, e provou a santidade do mendigo que partiu deste mundo pobre dos bens materiais, mas rico de virtudes e merecimentos.[14]

11. — Eis o que se deve observar para tirar muito fruto da leitura espiritual:

Primeiramente, antes de começar, é preciso recomendar-se a Deus, a fim de ser esclarecido por sua luz nas coisas que se vão ler. Já ficou dito, que, na leitura espiritual, é o Senhor que se digna de nos falar. Devemos, pois, ao pegar no livro fazer esta prece: Falai, Senhor, que o vosso servo ouve.[15] Fazei-me conhecer a vossa vontade, pois quero vos obedecer em tudo.

Em segundo lugar, é preciso ler unicamente para avançar no amor divino, e não para se instruir nem para satisfazer a sua curiosidade. Ler para se instruir, é fazer, não uma leitura espiritual, mas um estudo inútil nesse momento para a alma. O mal é maior quando se lê por curiosidade, como fazem algumas religiosas, que devoram os livros, sem pensar em outra coisa que em percorrê-los depressa para contentar a sua curiosidade. Que proveito esperam elas de tais leituras? Todo o tempo que empregam nelas é tempo perdido. — S. Gregório dizia: Muitos lêem, e lêem muito; mas, depois da leitura, se acham em jejum, como se nada houvessem lido, porque o fizeram somente por curiosidade.[16] — Disto justamente o Santo censura o médico Teodoro, que lia os livros sagrados, percorrendo-os com vista rápida e sem fruto.

12. — Em terceiro lugar atenda-se que para aproveitar a leitura espiritual, é preciso ler pausadamente e com reflexão. — Sto. Agostinho dizia: Nutre a tua alma com as leituras divinas.[17] Ora, para nutrir-se bem, não é bastante devorar os alimentos, mas é preciso mastigá-los bem.

Advirta-se, portanto, que para tirar bastante fruto das boas leituras, é preciso ruminar, isto é ponderar bem o que se lê, aplicando a si mesmo as resoluções práticas que se insinuam. — Sto. Efrem aconselha que se torne a ler o que fez mais impressão.18

Além disso, quando, na leitura de um ensinamento ou de um exemplo que penetra o coração, se recebe alguma luz especial, é muito útil parar um pouco e elevar o espírito a Deus, tomando alguma boa resolução, ou fazendo algum bom ato interior ou alguma prece fervorosa. — Dizia S. Bernardo: A oração interrompa a leitura.[19] Nesse caso, pois, deixe-se a leitura para se entregar à oração, enquanto durar o sentimento vivo que fez impressão. — Façamos sempre assim, à exemplo da abelha, que não passa de uma flor a outra, senão depois de ter recolhido todo o mel que ai encontra.

Pouco importa que, em tal caso, se esgote de todo o tempo, determinado para a leitura, porque, assim, é empregado de uma maneira mais útil para o nosso bem espiritual: a leitura de uma só linha, às vezes, nos é mais proveitosa, do que a de uma página inteira.

É preciso, enfim, ao terminar a leitura, escolher algum sentimento mais piedoso que se tenha tirado dela, e levá-lo consigo, como se faz com uma flor de um jardim, onde se tenha estado a recrear-se.

ORAÇÃO

Senhor, eu vos agradeço todos os socorros e todas as luzes que me destes, para me santificar e me unir a vós mais e mais. Quando virá o dia em que me possa ver livre de todos os afetos terrenos, e inteiramente unida ao vosso coração tão cheio de ternura para com minha alma? Eu espero tudo isto da vossa misericórdia infinita. Meu Jesus, eu não poderia resistir mais ao vosso amor, não quero mais ser ingrata para convosco, como fui pelo passado. Senhor, dai-me um coração novo, que só cuide em vos agradar.[20] O desejo que me inspirais, faz esperar a graça que vos peço.

Meu Deus, eu creio em vós, e daria mil vezes a vida para vos ser fiel. Espero em vós pelos merecimentos de Jesus Cristo, sem os quais estaria perdida. Ó sumo bem, eu vos amo, e por vosso amor renuncio tudo, e abraço todas as penas, todas as cruzes que quiserdes me enviar. Eu vos ofendi, mas disso tenho mais pesar, do que se tivesse experimentado todas as desgraças. Agora nada mais desejo, senão a vossa graça e o vosso amor. Meu Deus, ajudai-me, tende piedade de mim.

Vós também, ó Virgem santa, socorrei-me por vossas preces, que obtém de Deus tudo o que pedem. Minha Mãe, recomendai-me ao vosso Filho, não vos esqueçais de mim.

Notas:

1. Lectio nos ad orationem instruit et ad operationem. Lectio et oratio sunt arma, quibus diabolus expugnatur, beatitudo acquiritur. De modo bene viv. c. 50.

2. Sine legendi studio, neminem ad Deum intentum videas.

3. Attende lectioni. I. Tim. 4, 13.

4. Non necesse habes aurum in luto querere. Ep. ad Furiam.

5. Quaerite et invenietis. Matth. 7, 7.

6. Quaerite legendo et invenietis meditando; lectio quasi cibum ori apponit, meditatio masticat. Scal. claust. c. 2.

7. Semper in manibus tuis sit divina lectio, ut omnes cogitationum sagittae hujusmodi clypeo repellantur.

8. Lectionem adhibeas speculi vice.

9. Ibi foeda, ibi pulchra nostra cognoscimus; ibi sentimus quantum proficimus. Mor. l. 2, c. 1.

10. Oras; loqueris ad Sponsum. Legis; ille tibi loquitur. Ep. ad Eustoch. 218

11. Illum alloquimur, cum oramus; illum audimus, cum legimus. De off. l. 1, c. 2.

12. Exempla servorum tuorum, congesta in sinum cogitationis nostrae. urebant et absumebant gravem torporem, et accendebant nos valide. Conf. l. 9, c. 2.

13. Ex recordatione Sanctorum, tanquam lapidum ignitorum, in deificum recalescebat incendium. Vit. S. Franc. c. 9.

14. S. Greg. In Evang. hom. 15.

15. Loquere, Domine, quia audit servus tuus. I. Reg. 3, 9.

16. Multi legunt, et ab ipsa lectione jejuni sunt. In Ezech. h. 10.

17. Nutri animam tuam lectionibus divinis.

18. Non pigeat saepius eumdem repetere versum. De Potient. et Cons. saec.

19. Oratio lectionem interrumpat. De Vita sol. c. 10.

20. Cor mundum crea in me Deus.

Extraído de “A Verdadeira Esposa de Jesus Cristo” de Santo Afonso Maria de Ligório,
embora escrito para irmãs religiosas,
não pode ser subestimado o benefício para todas as outras pessoas
apud catholicapologetics.info.