Juan Carlos Ossandón Valdés

 

Informações recentes, provenientes de Roma e de outras cidades européias, reabriram a polêmica sobre o tribunal da Santa Inquisição. Como quase todos pensam saber o suficiente sobre tão famosa instituição, talvez careça de interesse ler algo mais sobre o particular.

Você gostaria de por à prova sua erudição? Rogo, pois, ao senhor leitor, se digne responder tão somente a três perguntas:

1. Qual foi a Inquisição medieval mais cruel?

A: a francesa.

B: a alemã.

C: a espanhola.

2. A quem perseguiu com mais afinco?

A: aos anglicanos.

B: aos luteranos.

C: aos judeus.

3. Quantas pessoas condenou à morte?

A: 100.000.

B: 200.000.

C: 300.000

Se na primeira pergunta elegeu a alternativa C, equivocou-se mais ou menos; exatamente ocorre algo similar se na segunda elegeu a mesma alternativa. Em quanto à terceira, as três são igualmente falsas. Satisfeito? Se errou as três respostas, você precisa seguir lendo este artigo.

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Depois de muitos anos de manipulação midiática, conseguiu-se instalar na consciência da maior parte dos católicos uma disparatada ideia do que foi realmente a Inquisição. Já não somente não se pensa em seu caráter de santa, senão que, esquecendo-se que era um simples tribunal, muitos imaginam cenas ridículas como essas, dignas de qualquer “lenda das trevas”.

Origem do tribunal

Nada é mais conveniente para conhecer a natureza de uma instituição humana que conhecer sua origem. Nela encontramos claramente expressa a finalidade perseguida por seus autores, à que se adéquam os meios empregados que permitem julgar seu êxito ou fracasso. Mas, antes de narrá-lo, devemos remontar-nos ao século XII e aclarar os fatos que o iluminam: o redescobrimento do direito romano e o nascimento da heresia albigense.

Para dizer a verdade, o direito romano nunca se perdeu ao todo, mas desse século datam os grandes glosadores e comentaristas – Irnerio e Búlgaro – que lhe deram grande autoridade. Então descobriu-se que a justiça romana torturava os réus se eram bárbaros ou escravos; porque, segundo criam, seu testemunho somente poderia ser aceitado se se mantinha sob tortura. Até essas datas na Idade Média não se aplicava tão cruel método judicial, simplesmente porque os bárbaros germanos o desconheciam – salvo a flagelação, como castigo e não como tortura – e custou muito que se impusesse, pois monges e teólogos o consideraram indignos de almas cristãs. Desgraçadamente, as últimas resistências cessaram quando Inocêncio IV, mediante a Bula Ad Extirpandam de 15 de Maio de 1252, autorizou seu emprego na Inquisição. Esta Bula contradizia a decisão de Nicolas I, quem, em 866, a tinha proibido. Claro que os tribunais civis tinham esquecido fazia muito tempo o Papa Nicolas, apesar de que, no começo, a Inquisição se abstinha completamente de seu uso. Além da tortura, os medievais encontraram outra pena surpreendente: a de morta na fogueira para os que praticassem a magia negra e que, nos últimos anos imperiais, aplicou-se aos hereges.

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Sua Santidade Gregório IX (reinou entre os anos 1227 e 1241). Entre outras obras de seu pontificado, instituiu a Santa Inquisição e preparou a sexta Cruzada.

A heresia dos albigenses (ou cátaros) produziu comoção nas autoridades civis e religiosas da época. Sua doutrina destruía por completo seu mundo, pelo qual não a podiam tolerar. No âmbito civil se proibia o juramente, fundamento de toda estrutura feudal da época; além disso, ao proibir o matrimônio, afetava tanto a sociedade civil como a religiosa. Mas isto não é tudo: aprovavam o suicídio e rejeitavam toda guerra, ainda a defensiva e, evidente, a pena de morte. Foi tal a indignação que produziu essa doutrina, que a Santa Sé mudou sua doutrina multissecular. Assim, por exemplo, quando o imperador Máximo condenou à morte o herege Prisciliano – sob instâncias dos Bispos Hidácio e Itácio – em 385, o Papa São Sirício e os Bispos Santo Ambrósio de Milão e São Martin de Tours protestaram indignados contra a pena. São Leão Magno estabeleceu que o derramamento de sangue repugnava a Igreja e o XIº Concílio de Toledo proibiu participar em juízos de sangue (ou seja, que implicassem a pena de morte) os que administravam os sacramentos. Até estas datas – ou seja, até o século XII – a Igreja contentava-se com as penas espirituais. Mas diante da perversidade da nova heresia, destruidora por completo da vida social, decidiram acudir ao poder secular e pregar a cruzada. A guerra desatada por estes fatos foi de extraordinária crueldade; a que já se tinha manifestado em outros lugares, como na Espanha sob Pedro II de Aragão.

Até o século XII, em consequência, não se aplicava, de ordinário, a pena de morte aos hereges; nos poucos casos conhecidos, o normal era o cárcere, o desterro ou a confiscação de seus bens. Evidente que, se havia arrependimento, não se impunha nenhuma pena. Pelo mais, o cárcere se reduzia, na maioria das vezes, à obrigação de habitar em um convento. Ainda não havia um tribunal ad hoc: a Santa Inquisição ia nascer no século seguinte em muito curiosas circunstâncias.

O imperador Federico II, bastante indiferente em matéria de fé e entusiasta admirador da cultura árabe, foi quem desencadeou os acontecimentos que levaram à sua criação. Em 1224 se restabeleceu a pena de morte no fogo decretada pelo antigo direito romano e a aplicou com rigor e critério mais político que religioso. Em verdade, a arbitrariedade do imperador e sua codícia são bem conhecidos. Quantos inocentes condenou? O Papa Gregório IX, em 1231, teve de sair ao passo de tanta injustiça do único modo que lhe era possível: já que as acusações eram de índole espiritual, o juiz devia ser adequado à natureza do delito perseguido. Em consequência, entre o tribunal civil que acusava o réu e este, introduziu-se uma cunha: a Santa Inquisição. Deste modo, poderia desaparecer a paixão política e a codícia que tanto dano tinham feito. E, para assegurar a independência do tribunal, centralizou-o em Roma e o encarregou à Ordem dos Pregadores, que tinha sido recentemente fundada por Santo Domingo de Gusmão. Deste modo os inquisidores procediam com total independência e buscavam, em primeiro lugar, a conversão do herege. Como num começo somente havia suspeita, bastava que este jurasse submissão ao Pontífice para ficar livre de toda suspeita. Somente se julgava os obstinados, sempre que a evidência fosse abrumadora. Se durante o juízo o réu abjurava de seu erro, ficava livre do tribunal civil e a Santa Inquisição impunha-lhe penas espirituais, como rezar os salmos, fazer jejuns, etc. Se persistia em sua atitude herética, era entregue ao tribunal civil, quem o condenava à pena que estimasse conveniente. Pouco a pouco se foi generalizando a de morte na fogueira, em conformidade com o direito romano, tal como o conheceram naquela época.

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São Domingos de Gusmão, o primeiro inquisidor, numa gravura que demonstra qual deve ser o destino dos maus livros.

Respondendo às perguntas

Estamos já em condições de responder ao perguntado ao começar estas breves linhas.

À primeira pergunta, para dizer a verdade, não se pode responder corretamente, posto que, nessa época não existiam os países atuais. Onde mais atuou a Inquisição foi, naturalmente, no sul da França e na Itália. Na Espanha somente houve Inquisição em Aragão; não houve em Castela nem em Portugal. Na Alemanha durou pouco tempo, se bem que o inquisidor Conrado de Marburg é famoso por seus abusos. De modo que, com as exceções postas, a resposta correta seria a alternativa B.

A segunda pergunta tampouco tem resposta, posto que não existiram nem anglicanos nem luteranos durante toda a Idade Média. Pelo demais, jamais a Santa Inquisição perseguiu os judeus, pela simples razão de que não são hereges. Na Idade Média a tolerância chegou ao extremo de proporcionar tal liberdade a judeus e árabes, que nas cidades havia bairros inteiros onde a vida era regida pelo Talmud ou pelo Alcorão e não pelas leis cristãs. Desde modo ficava protegida a liberdade de cultos. O que sim tinham proibido era o ascender a determinados cargos públicos e molestar os cristãos no exercício de sua fé; ou seja, exercer o proselitismo. Tal como hoje em dia se proíbe a cristãos em todos os países árabes e Israel. A única diferença radica em que hoje não há bairros cristãos nesses países.

A terceira pergunta tampouco tem resposta, posto que a Inquisição medieval jamais condenou ninguém à pena de morte. O tinha expressamente proibido, como vimos mais acima. Ela se limitava a “relaxar ao braço secular” – se se confirmava a denuncia – a quem o tribunal civil já tinha acusado. Por isso seu nome é “Inquisição”, isto é, “Investigação”. Se trabalho se limitava a exatamente isso: investigar se a acusação era correta ou não. Como seus membros eram frades, procuravam, por todos os meios a seu alcance, convencer os réus da verdade da religião católica. Por desgraça, por pressão do tribunal civil, creu-se conveniente fazer uso da tortura. Neste ponto somente se pode dizer que a Santa Inquisição foi a que limitou seu uso, com a intenção de não danificar a saúde do réu. Por isso os piores instrumentos de tortura logo foram distanciados do tribunal. Ainda se costuma mostrar em museus em diversos lugares do mundo sem distinguir os que punham em prática o tribunal civil e os que usava a Santa Inquisição. Mas é bom consignar que, na maioria dos juízos, jamais foram usados.

Juízo Liberal

Apesar do dito, o “juízo liberal” – ou seja, o fato em virtude das ideias liberais dominantes desde o século XVIII no Ocidente – foi de condenação sem atenuantes. Por que?

Em certa medida se deve às calúnias que com tanta facilidade e pouca cautela se creram. Não pouco se referem à Idade Média como 1.000 anos iluminados pelas fogueiras da Inquisição, a despeito da circunstância de que, como vimos, a Santa Inquisição nasceu no fim desses 1.000 anos. A ignorância chega a ser tal, que se supõe que jamais ninguém tivesse tomado banho nesses obscuros e tenebrosos séculos; quando o banho público era muito praticado na Idade Média, sendo suprimido durante o renascimento pela convicção de que as pestes se propagavam graças à água. A lista de calúnias é infinita e afeta todas as manifestações próprias dessa Idade sem que, por cento, a Santa Inquisição pudesse escapar delas. É tão grande o ódio contra este período histórico que o pouco de bom que não poderia ser negado, se atribui à influência oriental.

Mas isto não explica tudo. Também os horroriza o emprego da tortura. O curioso é que não julgamos da mesma forma o Império Romano, que tão abundantemente fez uso dela, nem aos tempos modernos e contemporâneos que bem poderia dar lições aos medievais nesta matéria.

Foi precisamente a Santa Inquisição a que começou a mitigar a dureza dos tribunais de justiça, e inclusive chegou a limitar a sessão de tortura a meia hora, depois da qual, o réu deveria se declarado inocente.

Proibiu-se todo método de danificar a saúde do réu e, finalmente, ordenou-se a presença de um médico que velasse pela saúde do torturado e de um advogado encarregado de sua defesa.

Há um argumento que, ainda que deixe frios aos não católicos, a nós nos resulta bastante convincente. Ocorre que a Inquisição de Aragão era regida pelo “Diretório” escrito por São Raimundo de Peñafort. Como se pode duvidar da legitimidade dos procedimentos inquisitoriais emanado da pluma deste Santo inquisidor?

Evidente que tudo isto não nos deixa satisfeitos, mas temos de ter cuidado ao julgar homens com outros costumes e convencidos por deferentes ideias que as nossas. De fato, neste século, presenciamos as piores torturas da história, e, como todos sabemos, seguem sendo empregadas um pouco por todo o mundo. Mas como não se reconhece o fato, não há medida alguma que proteja realmente o réu.

Há algo muito mais grave: o que menos pode suportar uma mente liberal é que alguém seja condenado por uma diferença de opinião. Já vimos que, na Idade Média, ninguém foi condenado por isso, senão pelo delito de heresia, ou seja, de traição. E não qualquer heresia, senão a dos albigenses, que provocou tantos distúrbios e uma sangrenta guerra. Os medievais julgaram que era necessário ir à raíz: às concepções destruidoras da paz social. Ainda que não o creia, querido leitor, hoje está sucedendo algo parecido. Na Alemanha, se você opina sobre a perseguição dos judeus pelos nazistas de maneira distinta da adotada pelo Estado Alemão, pode ser levado aos tribunais e julgado: tudo por uma diferença de opinião. Nos Estados Unidos, nenhum professor de biologia pode referir-se à criação dos seres vivos: tem que ensinar a hipótese de Darwin, a aceite ou não. Por acaso não estamos afirmando que, ao menos na América, não toleramos um governo que não seja democrático? Em virtude do qual não há escrúpulo algum em invadir uma pacífica nação que nenhum perigo encerra.

Tal qual parece que a Inquisição voltou, só que agora não pode ser chamada de “santa”.

 

Artigo retirado da revista “Iesus Christus”, nº 56,
do Distrito da América do Sul da Fraternidade Sacerdotal São Pio X.