01/06/1981

 

CIRCULAR AO REVMO. CLERO E FIÉIS

DA DIOCESE DE CAMPOS

OBSERVAÇÕES SOBRE A PUREZA E A INTEGRIDADE DA FÉ

 

Caríssimos cooperadores e amados filhos.

Quis o Papa João Paulo II destacar, com especial solenidade, a passagem do XVI centenário do 1º Concílio de Constantinopla e o 1550º aniversário do Concílio de Éfeso.

Não é difícil encontrar razões que justifiquem essa solenidade especial. Os dois concílios têm, no Cristianismo, suma importância, porque asseguram a pureza e integridade da Fé contra as invasões heréticas que então surgiram. No primeiro Concílio de Constantinopla, encerrado em 9 de julho de 381, a igreja reivindicou a integridade da Fé contra os Macedonianos, assim chamados pela relação com Macedônio, Patriarca da Cidade Imperial. Estes, seguindo as pegadas dos Arianos, destruíam o dogma fundamental de toda a Revelação, a SS. Trindade, pois negavam a divindade da Terceira Pessoa Divina, o Espírito Santo.

Por sua vez, o Concílio de Éfeso, terminado em setembro de 431, defendeu essa mesma integridade da Fé, contra outro Patriarca de Constantinopla, Nestório e seus asseclas. Estes negavam a divindade de Jesus Cristo, e, conseqüentemente, a Maternidade Divina de Maria Santíssima. Nestório distinguia no Salvador duas pessoas, a pessoa divina, o Filho de Deus, e a pessoa humana, o homem Jesus Cristo. Apenas o homem nos teria salvado com a morte na cruz. Infeccionava, pois, o Dogma da Redenção que, no caso, seria obra de puro homem, perderia seu caráter de reparação condigna e superabundante, oferecida a Deus pelos pecados dos homens.

Em decorrência desta heresia, Maria Santíssima deixaria de ser a Mãe de Deus, pois teria concebido, no seio puríssimo, apenas o homem Jesus. Sua intercessão passaria para a classe comum da intercessão dos Santos.

A obra dos dois Concílios

O primeiro Concílio de Constantinopla reafirmou solenemente a verdade revelada do Mistério da SS. Trindade, definindo a divindade do Espírito Santo; e o Concílio de Éfeso ensinou, de modo categórico, definitivo, que em Jesus Cristo há uma só pessoa, a Pessoa do Filho de Deus, na qual subsistem duas naturezas, realmente distintas, a natureza divina, pela qual Jesus Cristo é verdadeiro Deus, e a natureza humana, que o faz igualmente verdadeiro homem. E Maria Santíssima, declara o Concílio, como Mãe de Jesus Cristo tornou-se verdadeiramente Mãe de Deus, pois a relação materna termina na pessoa do filho.

Mantiveram assim aqueles dois Concílios a Fé Católica, íntegra e sem deturpações.

A importância da Fé

Ora, nas relações com Deus, que são as relações fundamentais do homem, nada há mais importante do que a pureza e a integridade da Fé.

Com efeito, pela Fé, cremos, com certeza absoluta, verdades que superam nossa capacidade intelectual, somente porque Deus as revelou. Com isso, prestamos homenagem à transcendência inefável de Deus, e reconhecemos a vassalagem que Lhe devemos por ser nosso Criador e Soberano Senhor. A heresia se põe à Fé, precisamente, porque nega esse direito soberano de Deus. De fato, o herege reivindica para si o julgamento das verdades reveladas, rejeitando as que lhe parecem incompreensíveis, ou contrárias a conclusões científicas. Dessa maneira, arvora-se em juiz do pensamento divino. Renova a rebelião de Lúcifer que pretendia igualar-se a Deus, decidindo, por si, a verdade e o erro.

Daí a importância suma de conservar a Fé, na sua pureza e integridade. Pois, como na aceitação de cada uma das verdades reveladas, prestamos nossa homenagem à Suma Sabedoria de Deus; assim, na rejeição de uma só delas há a recusa de nossa vassalagem a Nosso Senhor e Soberano. O mesmo se diga de uma verdade revelada, cujo conceito culposamente deturpamos.

A Fé comanda toda a nossa vida religiosa. A retidão do culto, que prestamos a Deus, depende da pureza e integridade da Fé; pois, Deus, Suma Verdade, não pode satisfazer-se com um culto que desconhece a sua Palavra. Também da pureza e integridade da Fé depende a retidão de nossa caridade, que jamais pode praticar-se a expensas da Fé. S. João, o Apóstolo do amor, não teme em afirmar que àquele que não aceita a doutrina de Jesus Cristo, nem saudá-lo devemos (2 carta, 10).

Eis que a Fé, pela qual cremos firmemente as verdades reveladas por Deus, é o fundamento indispensável de nossa salvação. “Sem Fé é impossível agradar a Deus (Heb. XI, 6).”

O post-Concílio: dúvidas e ambigüidades

Depois do 2º Concílio do Vaticano, irromperam na Igreja dúvidas e ambigüidades, incompatíveis com a pureza e integridade da Fé. O testemunho é de Paulo VI. São essas dúvidas e ambigüidades que deram origem a correntes de opinião que não se ajustam à Fé Católica, tradicional, e põem em risco a autenticidade do culto divino e a salvação eterna das almas.

Dois pontos, sobretudo, tratados no II Concílio Vaticano, têm dado ensejo a posições destoantes da verdade tradicional, revelada: a liberdade religiosa e o ecumenismo. Pontos, aliás, que se interpenetram, e sobre os quais a Igreja tem doutrina definida.

A liberdade religiosa

Assim, sobre a liberdade religiosa, podemos resumir em três itens o ensino oficial do Magistério eclesiástico: a) ninguém pode ser coagido, pela força, a abraçar a Fé Católica; b) o erro não tem direito nem à existência, nem à propaganda, nem à ação; c) este princípio não impede que o culto público das religiões falsas possa ser eventualmente, tolerado pelos poderes civis, em vista de um bem maior a obter-se, ou de um mal maior a evitar-se (Cfr. AL. Pio XII, 6.XII.1953).

Com o princípio de bom senso, que tolera a eventual existência de religiões falsas, a doutrina da Igreja atende mesmo às condições de fato de uma sociedade, religiosamente, pluralista. Não admite, porém, nem poderia admitir, no homem, um direito natural de seguir a religião do seu agrado, prescindindo de seu caráter de verdadeira ou falsa. Aceitar semelhante direito em nome, por exemplo, da dignidade humana, envolve uma profunda inversão da ordem das coisas. Pois, a dignidade do homem que toda ela procede de Deus, passaria a sobrepor-se à obrigação fundamental que tem esse mesmo homem com relação a Deus: a de cultuá-Lo na verdadeira religião.

Outra posição, lesiva dos direitos divinos, está implícita naquele princípio: o Estado deveria ser necessariamente neutro em matéria de religião. Deveria sempre dar plena liberdade de profissão e propaganda a qualquer culto. Atitude esta que contradiz o ensino católico tradicional, uma vez que, criatura de Deus, também a sociedade, como tal, tem o dever de cultuá-Lo na Religião verdadeira, e de não permitir que cultos falsos possam blasfemar o Santíssimo Nome do Senhor (Cfr. Leão XIII, Enc. “Immortale Dei” e “Libertas”). Não é difícil verificar-se que este princípio falsíssimo de liberalismo corre em meios católicos como doutrina oficial.

O Ecumenismo

Intimamente relacionada com a liberdade religiosa está a questão do Ecumenismo como ele é entendido e praticado. A liberdade religiosa que acabamos de ver, dá ao homem pleno direito de seguir sua religião, ainda que falsa, e impõe ao Estado o dever de atender aos cidadãos no uso de semelhante direito. A liberdade religiosa, pois favorece, quando não impõe, o pluralismo religioso.

Ora, acontece que, numa sociedade dilacerada por esse pluralismo, a identidade de origem de todos os homens, os mesmos problemas que resolver, as mesmas dificuldades que enfrentar, despertam nos indivíduos o anseio de buscar uma unidade de fundo religioso, visto que a comunhão na convicção religiosa é um meio excelente de congregar esforços, para a conquista do bem comum e do interesse público. Daí os movimentos visando chegar à união das várias religiões, mediante a aceitação de princípios comuns a todas elas, sem exigir a renúncia às características específicas de cada uma, que continuaria distinta das outras.

Semelhante ecumenismo muitos o restringem às confissões que se dizem cristãs.

Seqüelas do Ecumenismo

Assim concebido o ecumenismo tem os seguintes corolários: 1. a verdade é colocada ao lado do erro, em igualdade de condições; 2. aceita-se, como coisa natural e normal, que a salvação seja possível em qualquer religião; 3. afasta-se o proselitismo, que seria um divisor e não um catalisador; 4. chega-se, logicamente, a aconselhar, aos não católicos, a fidelidade e o afervoramento no erro em que se encontram, não faltando quem equipare religiões cristãs falsas à Igreja católica, ao pensar que o Espírito Santo, como da Igreja, assim daquelas confissões também se serve, como meio de encaminhar seus adeptos à salvação no seio de Deus.

Não obstante estas conseqüências diametralmente opostas à verdade católica, um tal ecumenismo é aceito em meios católicos. Há mesmo tentativas de promover uma formação religiosa ecumênica, a ser ministrada, em comum, aos adeptos de várias confissões cristãs.

Sobre o ecumenismo, assim concebido, escreveu Pio XI a encíclica “Mortalium animos” com data de 6 de janeiro de 1928, na qual o condena com energia.

De onde, uma renovação na Igreja, animada pelas orientações surgidas depois do Concílio que aqui registramos, por atraente que seja, opõe-se à Fé, é inadmissível.

Como antídoto a essa infiltração perigosa e sutil que nos distanciaria do caminho da salvação, reafirmamos continuamente nossa crença na única Igreja de Jesus Cristo, Santa, Católica e Apostólica – “Credo in unam, sanctam, Catholicam et Apostolicam Ecclesiam” – fora da qual não há salvação: “extra quam nullus omnino salvatur (Conc. Lat. IV).”

Com bênção cordial

+ Antonio, Bispo de Campos

Campos, 1º de junho de 1981