Continuando a série de artigos sobre Liberdade Religiosa, publicamos o texto do Rev. Pe. Juan Carlos Iscara.

 

A Americanização da Igreja Católica

Pelo Pe. Juan Carlos Iscara [1]

O papel dos bispos norte-americanos no debate sobre a liberdade religiosa

 

No amálgama da fé católica com a civilização norte-americana (…) um futuro esplêndido para a Igreja, melhor que qualquer outro do passado.

Padre Isaac Hecker

 

Conservo uma lembrança (…) é o cardeal Cushing, Arcebispo de Boston, falando em nome de todos os bispos norte-americanos e defendendo o esquema da “liberdade religiosa”. Desde que começou a falar, a energia de sua voz e estilo oratório inusual levou-me a, juntamente com muitos outros, aproximar-me da entrada da área reservada aos “peritos”. Através das lentes de um par de binóculos emprestado, tive a sorte de ver sua figura alta e púrpura com o cabelo grisalho. Ali estava falando em latim, que homem maravilhoso que assim que iniciada a primeira sessão partiu de volta por não entender a língua, considerando que perdia seu tempo (…) havia prometido voltar depois que um sistema para tradução simultânea fosse instalado (…) havia prometido suportá-lo (…). A instalação não se concretizou, apesar de que ele voltou a ser campeão da defesa de uma grande causa, ao qual catolicismo norte-americano deve o seu desenvolvimento prodigioso e sua vitalidade (…) Relembrou que o princípio básico da tolerância mútua e o respeito pela liberdade dos outros são valores fundamentais na vida quotidiana dos homens e das nações, o substrato próprio em que o catolicismo tem crescido lealmente e sem causar tumultos em seu país (…) Ele voltou e falava de modo insuperável, sílaba após sílaba, esse latim cujas sílabas finais às vezes afogaram seus reflexos indomáveis apesar de grande esforço e uma concentração feroz (…) compartilhei, mais profundamente do que eu pensava então, a emoção deste lutador que advogava pela causa da liberdade. E agora, quando esta imagem e esta voz afloram em minha memória, tudo o que resta é a emoção e uma profunda simpatia para com este grande homem fazendo violência para defender uma ideia pela qual, obviamente, poderia dar a sua vida.

Muito pouco se tem escrito sobre o papel e a influência indubitável exercida pelos Bispos norte-americanas durante o Concílio Vaticano II. Poucos trabalhos tem sido publicados em inglês e menos ainda são os documentos originais disponíveis, seja porque estão em arquivos fechados para os investigadores da Fraternidade São Pio X, seja porque por causa de certo desdém pelo “passado” muitos bispos destruíram ou simplesmente perderam o rastro de coisas como seus papéis, diários e correspondências mantidas durante o Concilio. No entanto, este artigo analisará o papel dos Bispos norte-americanos, que tentaram desvendar um dos ramos doutrinários do Concílio e algumas das responsabilidades por seus desvios.

Ao chegar ao Concílio os bispos norte-americanos foram considerados “conservadores”. Eram realmente? Teologicamente falando, pareciam realmente “antiquados”, fortemente apegados a Roma e promovendo aquilo que um autor moderno descreveu como uma “visão imóvel triunfalista e racionalista da Igreja” 4. Mesmo após o encerramento do Concílio, muitos deles deram a impressão de não terem sido afetados em seu conservadorismo.
No entanto, diferiam de outros bispos conservadores em um aspecto importante: em sua experiência de ter vivido sob um regime de liberdade religiosa. 

A carta pastoral coletiva publicada antes do Concílio evidenciava a consciência da exclusividade do testemunho que poderiam oferecer.

Esperava-se que os bispos dos Estados Unidos testemunhem no Concílio os elementos, que, pela providência de Deus, levaram a um crescimento notável da Igreja nos Estados Unidos e sua situação próspera geral, e dão a conhecer o seu parecer ulterior sobre qualquer desenvolvimento ou reforma que considerem vantajosos para a Igreja universal.

 Ao fazer sua contribuição ao Concílio, os bispos dos EUA estão conscientes das limitações que a Igreja tem nesse país. Falando em termos relativos, sabemos que somos uma porção nova e de recente cultivo na vinha de Cristo. Não podemos exibir santos como os que se levantaram nas igrejas da Europa, e inclusive em algumas de nosso próprio hemisfério. “Não temos dado à luz a quantidade de escritores profundos e brilhantes que decoram alguns dos mais antigos centros da cultura cristã (…) “apesar das limitações da Igreja deste país, estamos humilde e reconhecidamente conscientes dos brios que tem resultado de sua experiência.

Sabemos em primeiro lugar, quais são os benefícios reportados à Igreja de viver e crescer em uma atmosfera de liberdade religiosa e política. “A luta que a Igreja norte-americana tem tido que enfrentar é, em grande medida, a causa da vitalidade que tem desenvolvido enquanto crescia até sua maturidade sem a ajuda que flui de preferência politica alguma, mas sim de obstáculos por compromissos políticos.

 


[1] Sacerdote argentino, profesor de teología moral e de história da Igreja no Seminário São Tomás de Aquino da Fraternidade Sacerdotal São Pío X em Winona (Minesota), Estados Unidos. Trabalho apresentado no Primeiro Simpósio de Estudos Teológicos, Paris, 4 a 6 de outubro de 2002.

 

 Este artigo faz parte da série Liberdade Religiosa. Confira o índice para a seqüência completa.