Ao fim do século XIX, enquanto Leão XIII elogiva os esforços da Igreja na América do Norte, recordava a sua hierarquia que a situação particular de sua Igreja e seu estado florescente não deviam levar a conclusão que “o modelo ideal da situação da Igreja tinha que ser encontrada na América do Norte ou que é universalmente legal e conveniente que a política e a religião sejam desvinculados e separados, ao estilo americano”. Na verdade, mais além de suas realizações atuais, “dará mais e melhores frutos se, além da liberdade, desfrutar do poder das leis e da proteção do poder público”. Logo depois, mais concretamente na carta “Testem Benevolentie” dirigida ao Cardeal James Gibbons, Leão XIII condenou  o erro denominado “americanismo”, que teve origem com o padre Isaac Hecker, ativamente promovida por alguns padres franceses na França,e aparentemente foi espalhando-se entre os norte-americanos.

“Americanismo” não deve ser confundido, é claro, com o amor legítimo ao país, o qual nos exige a lei divina. Em termos de erro sobre a doutrina católica, foi e continua sendo uma transposição do “espírito” não católico nascido do âmbito secular à esfera religiosa do catoliciismo.

Assim pois, o “americanismo” pregava a necessidade de adaptar a Igreja à moderna e progressista civilização norte-americana. Preconizava, por conseguinte, a adoção do princípio de liberdade, uma vez que a ênfase católica “europeia” sobre a subordinação do indivíduo à autoridade era “estranha” ao temperamento do povo americano. Especificamente, considerava que a democracia era a forma de governo mais adequada ao Cristianismo, e propunha que o equilíbrio entre a autoridade e a liberdade alcançada na Constituição norte-americana fossem adotados pela Igreja enfatizando a iniciativa individual, sob a direção do Espírito Santo e a limitação da autoridade externa. No que diz respeito às relações entre Igreja e Estado, disse que o modelo americano não era apenas uma solução razoável, devido a certas circunstâncias, mas o mais desejável para o mundo.

Esta tendência tem se tornado uma constante na história americana católica. Charles Carrol de Carollton, o signatário católico da Declaração de Independência, disse que ao fazê-lo, o fez “tendo em vista não só a independência da Inglaterra senão também a tolerância a todas as seitas que professam o cristianismo, conferindo-lhes os mesmos  direitos .” John Carroll, seu irmão, primeiro bispo de Baltimore, também acreditava na liberdade religiosa, que ele considerou uma “benção e um benefício”, e um direito natural, mas não uma concessão política. Consequentemente só tinha elogios para com o sistema político americano de separação entre Igreja e Estado. Em 1830, o monsenhor John England (bispo de Charleston) mostrou seu apreço por todas as coisas americanas através da adoção de uns estatutos para o governo de sua diocese. Monsenhor England ignorou sem mais a “Mirari Vos” de Gregório XVI, declarando que a condenação da liberdade religiosa não se referia à América do Norte.

Da mesma forma, Monsenhor Martin Spalding (Bispo de Baltimore) disse em 1865 que o “Syllabus”de Pio IX estava se referindo apenas ao “falso liberalismo europeu”, e certamente não tinha nada a ver com a América. Em 1857 o padre Hecker “expressou que estava <<a favor da civilização americana, com seus usos e seus costumes >> porque << é o único meio pelo qual o catolicismo pode se tornar a religião do nosso povo. >>”. Prenunciou que para o êxito do experimento democrático necessitava-se de uma única religião, uma só Igreja, e que somente se “os americanos se fizessem católicos, então os católicos confirmariam as reinvindicações da democracia e as fariam suas; assim, o reino de Deus estaria à mão.”

Em questões relativas à doutrina da fé, o “americanismo” foi até os extremos da adaptação para não ofender os protestantes. Em 1858, Mons. John McCloskey (bispo de Albano), que mais tarde se tornou o primeiro cardeal americano, considerou “inoportuna” a declaração do dogma da Imaculada Conceição e que podia ferir a sensibilidade protestante, em consequência, se negou a difundir a doutrina em sua diocese… O “americanismo” estava pronto a esconder ou diluir um dos mais característicos e essenciais dogmas católicos como uma estratégia de proselitismo. Como afirmava o padre Hecker, a apologética deve “expor as necessidades do coração e buscar seus próprios objetos, ao invés de (apresentar) uma lógica da igreja.”, o que é, na verdade, modernismo puro.

Em relação à vida moral e espiritual de um católico comum, o “americanismo” exaltou a superioridade das virtudes naturais e “ativas” em detrimento da sobrenatural e “passiva”, e trasferindo o ideal político à esfera espiritual, pregava que o Espírito Santo guiava imediatamente os indivíduos, sem intermediação de direção espiritual externa .

Finalmente, o “americanismo” aceita como fato irrevogável do “destino manifesto” do país a noção puritana de que a América é o “povo escolhido”, e a ampliou para incluir a Igreja americana.

A condenação fulminada por Leão XIII constituiu o último estágio da disputa que dividiu a hierarquia americana a respeito de como salvaguardar o catolicismo no país, já que existiam inegáveis perigos para seu futuro.

Para os imigrantes, que representavam a massa do povo católico na América – e não “a antiga pátria” deixada para sempre – proporcionou o  marco para suas vidas e o futuro.No entanto, alguns bispos perceberam imediatamente que no processo de integração, os imigrantes também absorveram o secularismo americano e o irresistível desejo de riqueza material, ambos profundamente anticatólicos, corruptos e corruptores; enquanto se “americanizavam”, os filhos e netos dos imigrantes abandonavam a fé…

Além disso, a recusa clara de integrar-se na sociedade americana implicava na alternativa insustentável de formações de guetos étnico-religiosos, como foi acontecendo com a existência de sobreposição de paróquias nacionais. Além disso, foi necessário combater a propaganda protestante, que tinha os católicos como “estrangeiros”, estranhos à população americana, promovendo projetos vergonhosos para o país, o que propiciou ataques à pessoas e propriedades dos católicos.

Por isso, outros bispos insistiam que quanto mais rapidamente os católicos se integrassem na vida americana, tanto melhor, não apenas por causa de sua própria paz e prosperidade, senão também para a paz na Igreja. No entanto, os promotores de tal integração foram muito além da  prudência necessária; seu “desejo de ‘integrar-se’ à vida americana levou-os a não considerar os perigos de desertar da fé (…) Ao  mostrar seu ‘patriotismo’, começou a abraçar a ‘religião’ dos Estados Unidos, e (…) finalmente, a adoção desta falsa religião ‘patriótica’ levou-os a acomodar o catolicismo com as exigências da cultura pluralista insípida que os rodeava.”

Gibbons e  seu partido estavam convencidos de que o mundo entrou  numa nova era de democracia, individualismo, atividades e exigências sociais e que esse novo mundo americano encarnava o futuro. Se a Igreja quisesse sobreviver, teria que adaptar-se “deixando princípios que não se pode defender e assumindo novas atitudes em função das novas condições”.

Eles também foram persuadidos de que a responsabilidade de conduzir (a Igreja) por este caminho recaía sobre a Igreja americana”. Em suma, acreditavam firmemente em uma versão católica do “destino manifesto”da América.

A verdadeira natureza do erro condenado continuou sendo nebulosa para a maioria dos católicos americanos. Aqueles que pudessem ser suspeitos de aderir a ele, negavam veementemente que algo como o censurado “americanismo” houvesse jamais existido na América. Mons. Ireland reclamou que a doutrina do padre Hecker e as conquistas americanas tinham sido mal interpretadas e distorcidas por alguns sacerdotes franceses exaltados. Alguns anos mais tarde, refletindo sobre a crise, um autor a chamou de “heresia fantasma”. A estratégia de negação, que logo se empregaria contra a condenação do modernismo, começava desde então a ser aperfeiçoada…

No caso do “americanismo”, no entanto, além da indubitável deslealdade de alguns bispos, é provável que haja outros fatores. O “americanismo” nunca foi apresentado como um sistema doutrinário, quer dizer, como uma síntese de princípios, razões e conclusões. Consistiu só em razões concretas, certamente manchadas de naturalismo e liberalismo, mas ainda assim capaz de ser rejeitada ou julgada amavelmente como imprudência ou excesso de zelo. Na verdade, o “americanismo” só atraiu a atenção de Roma em 1897, quando o padre Felix Klein traduziu a biografia de Walter Elliot sobre o padre Hecker. Na edição de Klein, as soluções práticas americanas foram expressas em princípios teóricos. Como inimigo do “americanismo”, o padre Charles Maignen observou que “quando um erro chega à França, ele torna-se claro e preciso”. Sendo “empreendedores” pragmáticos e com aversão profunda à teorias abstratas, os bispos norte-americanos não estavam habituados a ver suas realizações concretas traduzidas nos princípios abstratos que a inspiravam, e portanto, pareciam incapazes de identificá-los quando foram expostos. Daí a veemência da sua recusa por parte da hierarquia americana.

E esta negação pareceu surtir efeito. Não se tomaram medidas disciplinares e toda a alusão ao “americanismo” desapareceu pouco depois. Em maio de 1900, Mons. Ireland poderia escrever com confiança de Roma: “O Papa me disse que o documento sobre o ‘americanismo’ deveria ser esquecido, pois aplica-se somente a algumas dioceses da França”.

Apesar de Leão XIII condenar os erros que foram apresentados, apontou também que a condenação não poderia estender-se a “aos estatutos políticos, às leis e aos costumes pelos quais são governados”. Como quando ordenou a adesão dos católicos franceses à maçônica Terceira República Francesa, o Papa tinha uma visão idealista e equivocada das realidades políticas envolvidas, unidas a um espírito pacífico e a um otimismo infundado. Enganado pelas afirmações dos bispos americanos, ignorava a verdadeira natureza do espírito secularista americano e sua estruturação institucional.

 

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