Entrevista com S.E.R. Dom Marcel Lefebvre, feita por um jornalista do The Age, de Melbourne, Austrália.

– Por qual razão chegou-se a este desacordo entre o senhor e o Vaticano?

O desacordo proveio das novas orientações do Concílio Vaticano II e das reformas que se seguiram.

A “liberdade religiosa”, em nome da qual se suprime a todos os Estados católicos, está concebida em um sentido que é absolutamente oposto à doutrina oficial da Igreja católica.

O “ecumenismo” que arrasta a reforma litúrgica é uma atitude totalmente nova da Igreja a respeito dos não católicos (sejam protestantes, muçulmanos, budistas e até comunistas, maçons, etc.), manifestamente oposta à doutrina e à prática da Igreja católica durante vinte séculos.

Finalmente, a ideia de “colegialidade” mal compreendida está quebrando a unidade da Igreja constituindo Igrejas nacionais, pela desaparição do exercício da autoridade pessoal do Papa e dos bispos, contra a constituição divina da Igreja.

– O senhor vê alguma solução nas circunstâncias presentes? E se há uma, qual é?

A única solução é o retorno à doutrina tradicional e à experiência saudável da tradição segundo a sabedoria que a Igreja sempre manifestou para sua aplicação no espaço e no tempo.

Por isso suplico ao Papa que nos deixe fazer a experiência da Tradição. Esta experiência será uma prova de que a Tradição tem um caráter atemporal, adaptável a todos os tempos e a todos os lugares.

– O senhor crê que algum dia poderá fazer com que se reconsiderem as reformas do Concílio Vaticano II?

A experiência da Tradição secular da Igreja oferecerá o meio evidente para julgar o erro cometido pelas novas reformas.

– Qual é sua atitude atual frente ao papa Paulo VI e sua decisão de suspendê-lo a divinis?

Esta pergunta divide-se em duas:

A primeira, ou seja, minha atitude frente ao Papa:

Minha atitude sempre foi muito respeitosa e deferente, muito submissa quando o Papa confirma a Tradição, mas firmemente oposta quando o Papa orienta a Igreja em uma via contrária ao magistério de seus predecessores, magistério que é a expressão de uma fé verdadeira. Nesse caso, o Papa comete um abuso de poder, ou seja, opõe-se à finalidade de sua autoridade que é a de confirmar na fé e não destruir a fé dos fiéis e dos clérigos.

Isto facilita minha resposta à segunda parte de sua pergunta concernente a minha “suspensão a divinis”.

A nulidade das sanções tomadas com o seminário e comigo mesmo obedece a dois motivos:

O primeiro é a ilegalidade dessas sanções tomadas sem nenhum juízo por nenhum tribunal; por conseguinte, de uma maneira arbitrária e por abuso de poder;

o segundo é o objeto inadmissível dessas sanções que é o de fazer-nos admitir as novas orientações da Igreja desde o Vaticano II.

– O senhor pensa seriamente em uma excomunhão próxima?

Sobre esse ponto não tenho nenhuma informação, mas Louis Veuillot nos diz que “não há nada mais sectário que um liberal”! Assim que…

– Quais são seus projetos de imediato? E seus projetos para o porvir de sua Fraternidade?

Nossos projetos são continuar a atividade da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, ou seja, a formação sacerdotal e o ministério pastoral missionário nas dioceses.

– Tem intenção de consagrar um bispo? Se assim fosse, seria logo?

Não tenho nenhuma intenção de consagrar um bispo.

– Qual é a importância do apoio que lhe dão através do mundo, apoio ideológico e financeiro?

Os últimos meses nos mostraram manifestamente que muitos católicos no mundo pensam como nós e estimam que os resultados do concílio são decepcionantes e que é tempo de voltar à Tradição.

Financeiramente conseguimos viver e inclusive progredir graças às numerosas pessoas que nos mantém de todos os países, mas especialmente da França, Suíça e Alemanha. A Austrália também nos envia regularmente dádivas que ajudam a pagar os custos de dois seminaristas australianos.

– Foi dito que seu movimento é de extrema direita e tem um objetivo político. O que o senhor pensa disso?

No que concerne à acusação de “extrema direita” respondo que se pelo termo de “direita” se entende uma concepção de sociedade segundo a ordem querida por Deus na autoridade, na disciplina, na justiça, se pode dizer verdadeiramente que somos “de direta”. Se esta denominação “extrema direita” significa o abuso de autoridade por uma ditadura pessoal abusiva de um partido tirânico, evidentemente não o somos.

Temos um objetivo político? Se “político” significa uma ação realizada dentro da sociedade civil para lhe dar um poder de nossa eleição, não fazemos política nesse sentido. Mas não duvidamos que os princípios teológicos e morais da Igreja têm necessariamente uma repercussão sobre a sociedade que é criatura de Deus e deve pois obedecer a suas leis. Neste sentido que, como os papas o proclamaram, reprovamos o comunismo, o socialismo, a sociedade ateia ou laicizante e pregamos o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo.

– Qual é sua reação diante das relações entre o Vaticano e os países comunistas?

Basta julgar pelos resultados adquiridos, a saber: o avanço comunista em todas as frentes, no mundo inteiro. O Vaticano haverá bem merecido por parte dos Soviets pela extraordinária ajuda que terá contribuído para sua vitória. Talvez logo veremos como se manifestará o agradecimento dos comunistas!…

– O senhor está contra tudo o que possa unir a Igreja Católica com os grupos protestantes?

Não sou, certamente, oposto ao retorno dos protestantes à unidade da fé católica, mas não posso aceitar um sincretismo feito de compromissos e de equívocos. Penso que poucos protestantes desejam esta última solução.

– Finalmente, o senhor não está cansado de sua luta?

Pode-se estar cansado de crer, de ter uma fé forte e inquebrantável em Nosso Senhor Jesus Cristo, em sua Igreja? Estamos persuadidos de ser muito pouca coisa dentro dos acontecimentos que conformam a história da Igreja. Desejamos somente servir de instrumentos a Nosso Senhor para a salvaguarda da fé que Ele nos pede e que é garantia da vida eterna.

10 de dezembro de 1976
Retirado do Livro “La Iglesia Nueva – Mons. Marcel Lefebvre” Editora ICTION, Buenos Aires 1983.