“O motivo, a razão de ser de todos os nossos combates, é a vida de união a Nosso Senhor, Rei”.

Caros membros e fiéis da FSSPX,

É uma verdadeira alegria para mim poder me dirigir a vós neste momento tão particular da história da nossa Fraternidade, que é a celebração do seu jubileu de ouro.

O 50º aniversário da Fraternidade Sacerdotal São Pio X é antes de tudo uma oportunidade para uma verdadeira e profunda ação de graças. E essa ação deve ser dirigida primeiro a Deus, que não cessa de nos manter e de nos encher de satisfação, apesar das provas, e que nos fortifica nessas mesmas provas: se a cruz jamais esteve ausente nesse meio século de história, é preciso ver nisso a prova de uma benevolência particularíssima da Providência, que só permite os males para a edificação de seu reino e a santificação de seus fiéis servidores; e também ao nosso fundador, que nos soube transmitir os tesouros mais preciosos da Igreja com a chama ardente de uma intrépida caridade, iluminada por uma fé profunda e sustentada por uma esperança indefectível na caridade do próprio Deus: “credidimus caritati”.

O 50º aniversário nos convida também a recapitular nossa situação hoje: essa chama recebida de nosso fundador ainda está viva? Exposta a todas as ventanias de uma crise que se prolonga indefinidamente, tanto na Igreja quanto na sociedade inteira, essa preciosa chama não corre o risco de vacilar e se enfraquecer?

Por um lado, os combates de todos os tipos, que duram e que não vemos o fim, tendem a nos cansar: realmente ainda temos que lutar? Por outro lado, após meio século de lutas, a Fraternidade São Pio X pode achar que está muito confortavelmente acomodada, e que ela desfruta de uma relativa tranquilidade. Tal acomodação e tal tranquilidade, não seriam perigosas? Essa chama, que agora está em nossas mãos para ser transmitida àqueles que nos seguirão, há necessidade de reavivá-la?

Não é supérfluo verificar se sempre temos bem presente em nosso espírito a razão de ser da nossa Fraternidade, se nós buscamos seu verdadeiro objetivo, fazendo um bom uso dos meios que estão à nossa disposição para consegui-lo. Isso é até mesmo indispensável se realmente quisermos continuar com o mesmo ímpeto desses primeiros 50 anos.

1. A Fraternidade deve ser militante?

As circunstâncias providenciais nas quais Deus quis suscitar a FSSPX, que são aquelas da terrível crise em que se encontra tomada a Igreja há 60 anos, nos obrigou a ocupar um lugar particularíssimo no que tomou a forma de um verdadeiro combate. Pode-se dizer que isso é um pouco a característica da Fraternidade, ser militante: desde o início, ela precisou combater com fé, com coragem, com perseverança, contra os inimigos da Igreja. Mas não devemos nos enganar sobre a natureza profunda desse combate que, se refletirmos bem, não tem nada de excepcional ou original. Porquanto é algo próprio da natureza da Igreja aqui na terra: ser militante. A Fraternidade é da Igreja, portanto ela é necessariamente militante.

Qual é o nosso combate? Ele foi, desde o início, e ainda certamente é hoje o combate pela preservação do sacerdócio. E junto dele o combate pela missa, o combate pela preservação da liturgia. É também indiscutivelmente o combate da fé, o combate pela defesa da doutrina, tragicamente ameaçada até na própria Roma pela galopante apostasia do nosso século. É, enfim, e como que para resumir tudo isso, o combate por Cristo Rei, pelo Reinado de Nosso Senhor nas almas e sobre as nações.

“Não devemos nos enganar sobre a natureza profunda desse combate”.

Mas é preciso compreender bem o que isso quer dizer… e não parar no caminho. Qual o verdadeiro alcance desses combates que enumeramos? Qual a razão de ser do combate pela missa e pelo sacerdócio, do combate pela fé, do combate por Cristo Rei? Essa realidade é o objetivo mesmo de toda a Igreja, e a razão última de ser de todos os combates que ela teve de passar ao longo de toda sua história: é a vida espiritual, a vida de união íntima com Nosso Senhor, Rei.

A Fraternidade deve ter isso bem presente no espírito: o desenvolvimento da vida espiritual nas nossas almas é a verdadeira razão de sua existência providencial. Ela apenas adere a um combate que é maior que ela, que a supera, e que é na verdade o combate de Jesus Cristo e de sua Igreja desde sempre: “Eu vim para que elas tenham vida e vida em abundância” (Jo. 10 10). E se nesse grande combate existimos, e se em nosso lugar lutamos, é em última análise, para nos unir a Nosso Senhor. Seu reino é isso! E não é uma ideia abstrata: é uma união concreta, efetiva e íntima. É uma vida!

Mons. Lefebvre insistia magnificamente nessa ideia: “Toda nossa Fraternidade está a serviço desse Rei: ela não conhece outro, não tem outro pensamento, outro amor, outra atividade que não seja por Ele, por seu reino, sua glória e a realização de sua obra redentora sobre a terra. Não temos outro fim, outra razão de sermos padres, senão fazer reinar Nosso Senhor Jesus Cristo: ao fazer isso, nós trazemos a vida espiritual às almas”.

Por outro lado, se por hábito ou cansaço, enfraquecemos nessa luta pela vida de união com Jesus Cristo, não apenas estamos menos disponíveis para o combate essencial, mas além disso, perdemos de vista a razão de ser das lutas que queremos conduzi corajosamente pela missa e pelo sacerdócio, pela doutrina, e por Cristo Rei.

2. O que é a vida espiritual?

A vida espiritual não é outra coisa senão a vida da nossa alma, vida para a qual Deus nos criou, e que constituirá nossa felicidade na eternidade: é a vida eterna, que começa já aqui embaixo. Ora, qual definição Nosso Senhor nos dá dessa vida? “A vida eterna é esta: Que te conheçam a ti como o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo. 17 3). A vida espiritual consiste, portanto, em conhecer a Deus, em conhecer a Jesus Cristo: sua pessoa, sua divindade, suas virtudes e a salvação que Ele nos traz. Conhecê-Lo para imitá-Lo, e assim alcançar a salvação.

Não se trata de um conhecimento puramente especulativo do cientista ou do perito em teologia da Bíblia. Trata-se de um conhecimento sobrenatural, pela fé e pela graça, daquele que é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo. 14 6). Um conhecimento que será o fundamento dessa vida para florescer, numa intimidade profunda com Nosso Senhor, em caridade ardente: “Crer não é somente dar seu espírito à verdade, é entregar toda sua alma e todo o seu ser Àquele que fala a ela… e que é essa verdade. Crer é viver… e essa vida é a Vida mesma: “Crede em mim, diz Jesus. O que crê em mim, tem a vida eterna”.

Desta maneira, a alma é ainda mais arrebatada pelo amor Daquele que se tornou tudo para ela: mais ela O conhece, mais ela O ama; e mais ela O ama, mais ela progride no conhecimento que tem Dele. Fé e caridade se alimentam mutuamente, e a alma é assim transformada a fim de se tornar ainda mais semelhante ao seu divino modelo.

A alma se livra então dos grilhões que impediam sua caminhada rumo à salvação. Desde o pecado original, o homem caído tende a referir tudo a si mesmo: ele só conhece a si, só se interessa por si, vive como que isolado em si mesmo… a ponto de esquecer-se de Deus. Mas quando Deus, pelo batismo, inaugura nesse homem sua obra de salvação, dá a ele esse conhecimento de fé, e trabalha por meio de sua graça para torná-lo semelhante a Ele, e o homem começa a conduzir tudo a Cristo: logo ele não conhece nada que não seja Ele, só vive Nele, centrado Nele… ao ponto de esquecer-se de si mesmo. É o ideal cristão enquanto tal. Ele permite vencer todos os obstáculos, até que Nosso Senhor seja verdadeiramente a vida de uma alma completamente preenchida por Ele. É a verdadeira e definitiva liberdade realizada por Aquele que é a Verdade eterna.

“Nosso Senhor quer se comunicar a todos. E é para receber esse dom que todos nós fomos criados”.

Se é verdade que no Céu, na vida eterna, Nosso Senhor encherá toda nossa alma, e que então, para o incalculável número de todos os anjos e santos, Ele será verdadeiramente tudo; e se é verdade que essa vida eterna começa aqui embaixo com a vida espiritual, então não é de se surpreender que Nosso Salvador já queira progressivamente tomar todo o lugar.

Certamente nós ainda não vemos Deus sobre a terra, enquanto que no céu O veremos face a face: nossa fé não é um conhecimento absolutamente perfeito de Deus… Mas a caridade com a qual nós estaremos eternamente unidos a Ele não é diferente daquela pela qual nós já O amamos aqui na terra. E Ele se torna tudo para nós quando realmente O amamos de todo o nosso coração, de toda nossa alma, com todas as nossas forças e com todo o nosso espírito. E isso até o dom total de nós mesmos.

Seria errôneo acreditar que essa maravilhosa vida só é acessível a uma elite espiritual. Nosso Senhor quer se comunicar a todos. Esse conhecimento cada vez mais amoroso do Verbo encarnado não é senão o desenvolvimento do dom de inteligência recebido por todos aqueles que são batizados e confirmados. E é para bem recebê-lo e vivê-lo que todos nós fomos criados.

3. Os meios necessários a essa vida espiritual

Ora, como esse conhecimento da fé nos é comunicado? Por quais meios ele posteriormente se desenvolve na vida da caridade para nos tornar semelhantes a Cristo? Pelos sacramentos. Pela missa. Por esses canais da graça, que permitem que nós nos incorporemos a Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Permitir a Nosso Senhor Jesus Cristo ser o tudo da nossa vida espiritual, de ser o princípio de todos os nossos pensamentos, palavras e ações”.

Pela graça, Nosso Senhor vive em nós e nos faz viver Nele. E quanto mais essa graça cresce, mais nossa vida de intimidade com Jesus Cristo ocupa todos os lugares, de modo que nada mais pode nos separar Dele. É a espiritualidade do Evangelho. E esse ideal unifica perfeitamente a vida do cristão: porque ele está unido à pessoa de Nosso Senhor, porque o Filho de Deus é o eixo de sua vida em torno do qual giram todas as suas preocupações e todas as suas ações, o cristão está unificado. É certamente Nosso Senhor que é o princípio de sua unidade interior.

Eis, portanto, nosso combate: permitir que Nosso Senhor Jesus Cristo seja toda a nossa vida espiritual, o princípio de todos os nossos pensamentos, de todas as nossas palavras, de todas as nossas ações. E é por isso que nós empreendemos o combate pela missa: a fim de que nossas almas possam ser santificadas pela graça. Eis por que nós empreendemos o combate pela fé: a fim de que as almas possam conhecer seu Salvador para melhor amá-Lo e melhor servi-Lo. Eis por que combatemos pelo reino de Cristo: a fim de que as almas possam servi-Lo e estarem perfeitamente unidas ao seu Rei.

Está verdadeiramente aí o espírito da cruzada que lançava em 1979 o nosso fundador por ocasião de seus 50 anos de sacerdócio, apoiando-se sobre sua longa experiência missioneira: “Consideremos por um momento o motivo dessa transformação [dos pagãos em cristãos]: é o sacrifício. […] Nós devemos fazer uma cruzada, apoiada sobre o santo sacrifício da missa, sobre o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, apoiada sobre essa rocha invencível e sobre essa fonte inesgotável de graças que é o santo sacrifício da missa, a fim de recriar a cristandade. E vereis a civilização cristã reflorescer, civilização que não é para este mundo, mas que conduz à cidade católica do céu”. Essa cruzada é certamente a nossa: militar espiritualmente, apoiados sobre a missa, para que a vida de Jesus Cristo seja comunicada às almas e à sociedade inteira.

Por outro lado, o que acontece quando se cessa esse combate pela vida espiritual?

4. O homem moderno abandonado a si mesmo e sem referências

Para responder a essa questão, basta colocarmos nosso olhar sobre o homem moderno. Ficamos impressionados com a falta de unidade que caracteriza sua vida: esse homem não sabe mais o que ele é, de onde vem e nem para onde vai; ele não tem mais referências, está fora dos eixos, fragmentado, dividido em si mesmo. Se a fé não está totalmente afastada da sua vida, ela não passa de uma parte dela; ela não é mais a sua vida. O homem moderno quer se beneficiar absolutamente de um ambiente livre, independente. Ele quer poder desfrutar de um espaço no qual ele não tenha contas a prestar a ninguém, nem mesmo a Deus.

Dessa maneira, por exemplo, vemos a ciência moderna que pretende poder se afirmar sem que a fé a julgue, avançando em sua audácia até o ponto de ela mesma julgar a fé. Assim, vemos a educação moderna e a moralidade livres de todos os princípios, buscando desafrontadamente o fim que desejam e, no final das contas, terminam na mais caótica desarmonia. Assim, vemos ainda a política laicista banir absolutamente de toda a vida social a fé e o sobrenatural.

“Nosso Senhor é talvez ainda uma parte da vida do homem moderno… Ele não é mais a sua vida”.

Esses germes de apostasia, pelos quais Nosso Senhor se encontra concretamente alijado da vida dos homens, essa ausência de princípio que conduz à desconstrução e ao caos, inevitavelmente, tornam absolutamente impossível qualquer vida unificada, simples e centrada em Jesus Cristo. É a emancipação insolente e provocadora da realeza do Salvador. É a recusa depreciadora das exigências da realeza sobre os indivíduos e sobre as sociedades. Nosso Senhor é talvez ainda uma parte da vida do homem moderno… Ele não é mais a sua vida, Ele não tem mais influência total sobre esse homem, Ele não é mais princípio de toda sua atividade… A união plena desse homem com Jesus Cristo acaba por se tornar impossível.

5. O aspecto central da crise na Igreja: a abertura ao mundo e ao seu espírito

Ora, o que torna dramática hoje a crise na qual nos encontramos é que a Igreja, há 60 anos, escolheu acolher esse ideal moderno, e de regressar a essa concepção de um universo em que Nosso Senhor não tem senão um lugar relativo. Seu reinado total não é mais reconhecido desde que a Igreja se fez porta-voz da liberdade religiosa: ao reconhecer na pessoa humana uma esfera autônoma, um direito de viver segundo sua consciência individual, sem obrigações, a hierarquia eclesiástica veio a negar na prática os direitos de Jesus Cristo sobre a pessoa humana.

“Tornou-se praticamente impossível, na Igreja de hoje, conhecer plena e verdadeiramente Nosso Senhor, e de viver a vida espiritual que Dele decorre”.

De fato, não somente sua realeza, mas sua própria divindade é posta em questão, desde que a Igreja decidiu reconhecer ao homem, em nome de sua pretensa dignidade, a liberdade de escolher ou de recusar Nosso Senhor. Desta maneira, os homens da Igreja silenciaram o Salvador naquilo que disse de si mesmo: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo. 14 6). Eles fazem mesmo mentir São Pedro que proclama: “Não há salvação em nenhum outro, porque, sob o céu, nenhum outro nome foi dado aos homens, pelo qual devamos ser salvos” (Atos 4 12).

Por conseguinte, sem prejulgar das graças pessoais que Deus permanece livre para dar a quem quiser, tornou-se praticamente impossível, na Igreja de hoje, conhecer plena e verdadeiramente Nosso Senhor, sua divindade, sua realeza e todos os seus direitos e a salvação que Ele nos traz. Tornou-se na prática, portanto, dificílimo viver a vida espiritual que Dele decorre. Essa é a gravidade da crise na qual estamos mergulhados! Não é só a missa, os sacramentos, a fé, que estão em risco: é, através de tudo isso, a vida de união a Nosso Senhor que todos esses meios estão destinados a nos dar. É o fim mesmo da Igreja, o fim último da vida cristã que se encontra tragicamente comprometido.

Nosso fundador constatava isso com desolação: “Eles não transmitem mais Nosso Senhor Jesus Cristo, mas uma religiosidade sentimental, superficial, carismática. […] Essa nova religião não é a religião católica; ela é estéril, incapaz de santificar a sociedade e a família”.

6. A espada do Evangelho embotada

Como a Igreja pôde chegar a essa situação catastrófica? Como é possível que tal derrocada aconteça, que tais ideias tenham podido ser concebidas na Igreja, indo de encontro à doutrina e a fé de sempre?É, infelizmente, por uma razão muito simples: a vida espiritual da qual falamos é objeto de um combate; esse combate, que é o de cada alma em particular para estender o reino de Cristo nela, é também em primeiro lugar o combate da Igreja inteira. É um conflito geral em que se enfrentam a Igreja e o mundo, e o que está precisamente em jogo é essa união das almas em Cristo. Ora, esse combate é difícil, árduo e permanente: ele começou desde o início, em Pentecostes, e durará tanto quanto durar este mundo. Há ainda outras dificuldades inerentes a essa luta, uma dificuldade especial que é a da sua duração: bem! simplesmente houve um relaxamento. Pouco a pouco esse ideal de vida espiritual, com todas as suas exigências, abrandou-se. Os cristãos, cada vez mais, acharam muito difícil lutar; eles hesitaram em se entregar totalmente à graça de Jesus Cristo que tem por fim transformá-los e salvá-los; não quiseram mais seu reinado e as restrições do seu amor por eles; ficaram enfastiados de ter que sempre resistir às seduções do mundo, que conspira dia e noite contra o estabelecimento deste reino de Cristo em nossas almas; eles silenciaram São Paulo, que dizia: “Não vos conformeis com este mundo” (Rom. 12 2). E, por fim, ficaram desanimados. Diante das agressões contínuas do mundo, os cristãos infelizmente demonstraram uma culpável fraqueza. Seu catolicismo se tornou tímido, conciliador e conciliar, liberal e banal. Sua maneira de viver se tornou mundana. O sacrifício, essa característica profunda de toda vida cristã autêntica, foi banido.

“Para não se ter mais inimigos, preferiu-se repelir Jesus Cristo e trabalhar sem Ele para uma paz sem fundamento”.

As justificativas doutrinárias vieram então reforçar essa fraqueza e esse cansaço: “Guerra nunca mais!” E começou-se a acreditar em uma paz mundana, numa harmonia universal entre todos os crentes, nessa quimera de um catolicismo reconciliado com o mundo: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz, disse Jesus; não vo-la dou, como a dá o mundo” (Jo. 14 27); mas para não se ter mais inimigos, preferiu-se repelir sua oferta e trabalhar sem Ele para uma paz sem fundamento. Pouco importa se isso o desagradar: é mais fácil, menos exigente e mais confortável agradar ao mundo.

Porque o ideal cristão de união com Cristo está cada vez menos possível de viver, numa Igreja desfigurada que o abandonou e o ignora cada vez mais, é de capital importância compreender que é nessa altura que a Fraternidade, tanto hoje como ontem, tem o dever de combater, custe o que custar.

Ora, o perigo de abandonar Nosso Senhor para se conformar ao mundo sempre existiu: desde o Jardim das Oliveiras, os mais fiéis amigos do Salvador se viram sempre confrontados por essa provação. O combate da fidelidade é uma missão de todos os dias. Pode-se dizer que a Fraternidade é fiel a esse combate?

7. A Fraternidade está totalmente imunizada?

É um verdadeiro perigo para nós, após 50 anos de crescimento, acreditar que, como a Fraternidade está hoje bem estabelecida, a Tradição pode ser mais facilmente defendida, mais confortavelmente conservada. E que a vida cristã é hoje mais fácil e menos exigente. Nada mais falso: a exigência de uma vida espiritual, de uma vida interior, de uma vida de união com Cristo pede um combate diário, um combate generoso contra a tentação sedutora de nos comprometer com o mundo.

“A noção do sacrifício é uma noção profundamente cristã e profundamente católica”, lembrava Mons. Lefebvre em seu sermão de 1979. «Nossa vida não pode prescindir do sacrifício, desde quando Nosso Senhor Jesus Cristo, que é Deus, quis tomar um corpo como o nosso e nos dizer: “Siga-me, tomai vossa cruz e siga-me se quiserdes ser salvos”».

É também um perigo, após 50 anos de lutas, de deixar-se envolver por esse relaxamento e esse desencorajamento que levou as almas a perder pouco a pouco o sentido da verdadeira vida cristã, e a não mais ver as razões profundas que motivam seus esforços sempre necessários.

Portanto, é fundamental que essa vida verdadeiramente cristã continue a ser nosso objetivo constante, e que nós façamos cada dia tudo o que estiver em nosso poder, com a ajuda da graça, para tornar possível essa vida de caridade com Nosso Senhor, para permitir que nosso Salvador conquiste nossa alma, para afastar todos os obstáculos que impedem o estabelecimento de seu reino em nós. O combate espiritual, cotidiano, sustentado pela esperança cristã, é indispensável se queremos verdadeiramente nos manter fiéis a Cristo. Então Ele viverá verdadeiramente em nós, e nós seremos para ele como uma humanidade por acréscimo na qual Ele poderá livremente prestar ao seu Pai a honra e a glória que Lhe são devidas.

“Na medida em que esse ideal de vida espiritual se mantiver nosso, nossa fidelidade aos combates da Tradição estará assegurada”.

Na falta de dar ao nosso combate essa dimensão profunda, corremos o risco de empreender uma luta abstrata: nossas batalhas doutrinais não serão senão duelos cerebrais, especulativos, desencarnados. Ideias enfrentarão ideias, sem que nossa vida moral seja iluminada pela clareza da nossa fé. Nosso combate pela missa se tornará estético: nós defenderemos a liturgia tradicional pela simples razão de que ela é mais bela, mais contemplativa. Isso é verdade! Mas não é por isso que a defendemos: é, mais profundamente, porque ela é o meio por excelência de levar os homens ao conhecimento de Nosso Senhor no altar; o meio por excelência de entrar plenamente no mesmo amor e no mesmo sacrifício, pela adoração e o dom de si. Eis a razão última do combate pela missa; eis o significado verdadeiro da palavra “Tradição!”

Na medida em que esse ideal de vida espiritual se mantiver nosso, e que dia a dia nós permitamos que a graça do Salvador nos transforme à semelhança de Jesus Cristo, nossa fidelidade aos combates da Tradição estará assegurada e vivificada. É esse ideal, encarnando-se numa vida verdadeiramente animada por esse espírito, que garantirá aos membros e aos fiéis da Fraternidade a força e a vitalidade necessárias à sua constância no serviço a Cristo Rei.

8. Como preparar a vitória derradeira?

Quanto tempo durará essa crise na Igreja? E, além disso, por que Deus permite que ela ainda perdure? O que Ele espera de nós? Já dissemos tudo sobre a nocividade da nova missa; já dissemos tudo sobre os erros da liberdade religiosa, do ecumenismo, etc.; o que resta dizer? O que falta para que a Tradição esteja de novo no lugar de honra da Igreja?

Não resta nada de novo a dizer, especulativamente. Ainda que seja evidente que é necessário continuar a não se calar na pregação da verdade e na denúncia dos erros do Concílio Vaticano II. Por outro lado, resta algo a dar, concretamente: eis a batalha fundamental. Essa situação, com suas dificuldades, exige de cada um de nós um esforço para oferecer a Nosso Senhor algo de mais extremo, mais radical, do que aquilo que já Lhe demos: trata-se de um dom incondicional de nós mesmos.

É precisamente isso que nos pede Nosso Senhor, e é para obtê-lo que Ele permite que essa crise perdure: na sua bondade, Ele nos concede ainda um tempo. Não para nos cansar! Não para nos aburguesar! Mas a fim de que nós nos demos mais generosamente. O bom Deus utiliza esse tempo para que nós possamos nos abandonar mais à sua Providência e ao seu amor: afinal, visto que essa batalha é Dele, pertence a Ele a hora da vitória! Quanto a nós, sejamos fiéis conforme Lhe aprouver nos provar. A crise é necessária para provocar nos amigos de Nosso Senhor uma reação mais virtuosa e mais heroica aos ataques de seus inimigos, para suscitar almas cuja prova as tornará mais generosas, mais entregues, mais dóceis às conquistas da sua graça. Em uma palavra: mais santas.

Então se levantará, bem viva, a chama que nós queremos transmitir, da nossa parte, àqueles que continuarão amanhã o combate que será o seu!

“Essa situação exige um esforço para oferecer a Nosso Senhor algo de mais extremo, mais radical, do que aquilo que já Lhe demos”.

É a essa generosidade que eu vos encorajo. Pela missa, a recepção ardente dos sacramentos, sobretudo o da Eucaristia, pelo espírito de sacrifício, pela a oração, que cresçam nas almas o conhecimento e o amor do Verbo encarnado; que a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo nos sustente no nosso combate espiritual e nos transforme à sua imagem; que nossas almas sejam só uma com Ele e que, tendo todas as coisas sido instauradas Nele, nós possamos dizer como São Paulo: “Renunciei a todas as coisas e as considero como esterco, para ganhar a Cristo e ser encontrado nele, não tendo a minha justiça que vem da (observância da) lei, mas aquela que nasce da fé em Jesus Cristo […] a fim de o conhecer a ele e a virtude da sua ressurreição e a participação dos seus sofrimentos, assemelhando-me à sua morte” (Cf. Fil. 3 8-10).

Estas poucas palavras de São Paulo resumem bem tudo o que Mons. Lefebvre nos legou de mais precioso: “o espírito profundo e imutável do sacerdócio católico e do espírito cristão, ligado essencialmente à grande prece de Nosso Senhor, que exprime eternamente seu sacrifício da Cruz”.

Isso é tudo que vos desejo, porque nada além disso tem verdadeira importância.

Deus vos abençoe!