Padre Davide Pagliarani, Superior Geral da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, celebra a Missa da Epifania (2019)

O futuro da Igreja e das vocações se encontra nas famílias onde os pais plantaram a Cruz de Nosso Senhor

O padre Davide Pagliarani concedeu uma entrevista exclusiva à Porte Latine, na qual fala da fecundidade da Cruz para as vocações e para as famílias. Ele insiste particularmente na necessidade de guardar o espírito autêntico do Fundador, Mgr Marcel Lefebvre, “espírito de amor pela fé e pela verdade, pelas almas, pela Igreja”, diante da recente canonização de Paulo VI e da promoção da sinodalidade na Igreja.

La Porte Latine – Já são agora cinco meses desde que o Sr. foi eleito Superior Geral da Fraternidade São Pio X, por um mandato de doze anos. Esses cinco meses certamente lhe permitiram fazer uma primeira avaliação da obra fundada por Dom Lefebvre, vindo completar sua já rica experiência pessoal. O Sr. teve alguma primeira impressão geral, percebeu algumas prioridades para os próximos anos?

R.: A Fraternidade é uma obra de Deus, e quanto mais a descobrimos mais a amamos. Duas coisas me chamaram particularmente a atenção. Primeiro, o caráter providencial da Fraternidade: ela é o resultado das escolhas e decisões de um santo guiado unicamente pela prudência sobrenatural e “profética”, e cuja sabedoria apreciamos de mais em mais, à medida que os anos passam e que a crise da Igreja se agrava. Em seguida, pude constatar mais uma vez que nós não somos um punhado de privilegiados liberados da lei geral: Deus santifica todos os membros da Fraternidade, e os nossos fiéis, pelos reveses, pelas provas, pelas decepções, em uma palavra, pela cruz e não por outros meios. 

La Porte Latine – Com 65 novos seminaristas este ano, a Fraternidade bate seu recorde de entradas em seus seminários nos últimos 30 anos. O Senhor mesmo foi diretor do seminário de La Reja (Argentina) durante quase seis anos. Como o Sr. pretende favorecer o desenvolvimento de vocações sempre mais numerosas e mais sólidas?

R.: Estou convencido de que a verdadeira solução para aumentar o número das vocações e sua perseverança não reside em primeiro lugar nos meios humanos e por assim dizer “técnicos”, tais como revistas, visitas apostólicas ou publicidade. De início, uma vocação precisa, para nascer, de um lar onde se ama Nosso Senhor, sua Cruz e seu sacerdócio; um lar onde não se respira o amargor nem a crítica para com os sacerdotes. É como por osmose, pelo contato com os pais verdadeiramente cristãos e com padres profundamente impregnados do espírito de Nosso Senhor, que uma vocação se desperta. É nesse nível que devemos continuar a trabalhar com todas as nossas forças. Uma vocação nunca é o resultado de um raciocínio especulativo nem de uma lição que recebemos e com a qual estamos intelectualmente de acordo: esses elementos podem ajudar a responder ao chamado de Deus, somente a condição de seguir o que dizemos anteriormente. 

La Porte Latine – No último dia 14 de outubro, o Papa Francisco canonizou o Papa que assinou de sua mão todos os documentos de Vaticano II, o Papa da missa nova, o Papa cujo pontificado ficou marcado pelos 80.000 padres que abandonaram o sacerdócio. O que lhe inspira essa canonização?

R.: Essa canonização deve nos inspirar uma reflexão profunda, muito além da emoção midiática que durou algumas horas e que não deixa nenhum rastro profundo nem entre seus partidários nem entre seus adversários. Pelo contrário, apenas uma emoção tem o risco de gerar uma grande indiferença. Nós devemos tomar cuidado para não cair nessas armadilhas. 

Primeiro, me parece bem evidente que com as beatificações ou canonizações de todos os papas recentes, a partir de João XXIII, tentaram “canonizar” de certa forma o Concílio, a nova concepção da Igreja e da vida cristã que o Concílio estabeleceu e que todos os papas recentes promoveram. 

É um fenômeno inédito na história da Igreja. Assim, a seguir o Concílio de Trento, a Igreja jamais pensou em canonizar todos os papas sem distinção, de Paulo III a Sixto V. Ela só canonizou São Pio V e isso, não apenas em razão de suas relações com o concílio de Trento ou de sua aplicação, mas em virtude de sua santidade pessoal, proposta como modelo a toda a Igreja, e colocada ao serviço da Igreja enquanto papa. 

O fenômeno ao qual assistimos atualmente nos faz pensar na mudança de nome das principais praças e avenidas, que seguiu frequentemente as revoluções ou as mudanças de regime político… 

Igualmente, devemos ler essa canonização à luz do presente estado da Igreja, pois a pressa em canonizar os papas do Concílio é um fenômeno relativamente recente, que conheceu sua expressão mais manifesta com a canonização, praticamente imediata, de João Paulo II.

Essa determinação em “fazer logo”, manifesta mais uma vez a fragilidade na qual a Igreja decorrente do Concílio se encontra atualmente: querendo admiti-lo ou não, o Concílio é considerado como ultrapassado por toda uma ala ultra-progressista e pseudo-reformadora. Penso, por exemplo, no episcopado alemão. Por outro lado, os católicos mais conservadores são levados a constatar, pela força mesma das coisas, que o Concílio deslanchou um processo que tem conduzido a Igreja a uma crescente esterilidade. Diante desse processo, que parece irreversível, é normal que a hierarquia atual tente conceder de novo, por meio das canonizações, um certo valor ao Concílio capaz de frear a tendência inexorável dos fatos concretos. 

Para retornar a uma analogia com a sociedade civil, cada vez que um regime está em crise, quando toma consciência disso, tenta fazer com que redescubram a Constituição do país, sua sacralidade, sua perenidade, seu valor transcendente… Ora, na verdade, esse é o sinal que tudo o que decorreu dessa Constituição, e que se fundamenta sobre ela, está em perigo de morte e, assim, tenta-se salvá-la por todos os meios possíveis. A história prova que essas medidas são geralmente insuficientes para dar de novo vida àquilo que já fez seu tempo.

La Porte Latine – Há três anos (no dia 17 de outubro de 2015), o Papa Francisco fazia um discurso importante para promover a “sinodalidade” na Igreja, convidando os bispos a ficarem “à escuta de Deus até ouvirem com Ele o grito do Povo, e a ouvir o povo até respirar a vontade à qual Deus nos chama”. Segundo suas próprias palavras (discurso de 25/10/2017), é se apoiando sobre essa nova sinodalidade que ele editou as novas leis simplificando os procedimentos de nulidade de casamento, ou ainda que escreveu Amoris Laetitia na sequência do sínodo sobre a família. O Sr. reconhece nisso a voz do Espírito Santo? O que O Sr. pode dizer sobre essa nova expressão que as autoridades da Igreja empregam hoje?

R.: O debate cíclico sobre a sinodalidade não é nada mais que a projeção, no pós-concílio, da doutrina conciliar sobre a colegialidade, e dos problemas que ela criou para a Igreja. 

De fato, se fala muito frequentemente, até mesmo nos debates que têm outras finalidades e outros temas para tratar. Penso, por exemplo, no primeiro sínodo sobre a juventude, onde o assunto foi lembrado pela enésima vez. Isso manifesta que a hierarquia ainda não encontrou uma solução satisfatória e isso é inevitável, a partir do momento em que o problema não tem solução. 

De fato, a colegialidade coloca a Igreja em uma situação permanente de quase-concílio, com a utopia de poder governar a Igreja universal com a participação de todos os bispos. Isso provocou, da parte das conferências episcopais nacionais, uma reivindicação de descentralização sistemática e insaciável, que nunca terminará. Estamos diante de uma espécie de luta de classes por parte dos bispos, o que produziu, em certas conferências episcopais, um espírito que podemos definir como pré-cismático. Penso mais uma vez, aqui, no episcopado alemão, que oferece bem o exemplo de todas essas deformações atuais. Roma está em um impasse. De um lado, com relação aos episcopados nacionais, tenta salvar sua autoridade minada. Por outro lado, ela não pode renunciar à doutrina conciliar, nem à suas consequências, sem colocar em discussão a autoridade do Concílio e, consequentemente, o fundamento da eclesiologia atual. De fato, todo mundo continua a caminhar no mesmo sentido, no entanto em diferentes velocidades. 

Os debates que se travam manifestam esse mal-estar latente, e principalmente o fato de que essa doutrina revolucionária é cabalmente contrária à natureza monárquica da Igreja. Não conseguirão jamais encontrar uma solução satisfatória enquanto não rejeitem definitivamente a dita teoria. 

É paradoxal, mas só a Fraternidade pode ajudar a Igreja, lembrando aos papas e aos bispos que Nosso Senhor fundou uma Igreja monárquica, e não uma assembleia moderna caótica. Chegará o dia em que essa mensagem será escutada. Por agora, é de nosso dever conservar esse sentido profundo da Igreja e de sua hierarquia, apesar do atual campo de batalha e das ruínas que temos diante dos olhos.

La Porte Latine – Como poderia a Igreja corrigir os erros do Concílio? Após cinquenta anos, seria realista pensar dessa forma?

R.: De um ponto de vista puramente humano, não é realista pensar assim, pois nós temos diante de nós uma Igreja completamente reformada, em todos os aspectos de sua vida, sem exceção. É uma nova concepção da fé e da vida cristãs, que gerou, logicamente, uma nova maneira de conceber a Igreja e de viver o quotidiano. Humanamente, voltar atrás é impossível.

Porém, esquecemos talvez com demasiada frequência, que a Igreja é fundamentalmente divina, apesar de se encarnar nos homens e na história dos homens. Um dia, um Papa, contra toda expectativa e contra todo cálculo humano, retomará as coisas em mãos, e tudo o que tem a ser corrigido será corrigido, pois a Igreja é divina e Nosso Senhor não a abandona. De fato, ele não diz outra coisa quando Ele promete solenemente que “as portas do inferno não prevalecerão conta ela” (Mt 16, 18). O brilho da divindade da Igreja será tanto mais forte que atualmente a situação parece irreversível.

La Porte Latine – Esse ano de 2018 foi o trigésimo aniversário das sagrações episcopais realizadas em Ecône por Dom Lefebvre, verdadeira obra de “sobrevivência da Tradição”. O Sr. estima que essa operação foi por natureza única, e que ela também teve um sucesso no sentido que hoje, bispos aceitam fazer as ordenações e as confirmações no rito tradicional? Pensa que, com o passar dos anos, novas consagrações devem ser cogitadas?

R.: O futuro da Fraternidade está nas mãos da Providência. Cabe a nós discernir os sinais, da mesma forma que nosso Fundador o fez, fielmente, sem jamais querer nem atropelar a Providência, nem a ignorar. Nós temos aqui a mais bela lição de Dom Lefebvre, e muitos daqueles que não a entenderam em seu tempo pouco a pouco voltaram sobre seus julgamentos. 

La Porte Latine – O Distrito da Fraternidade na França é o mais antigo e mais importante, mesmo que ele esteja sendo ‘alcançado’ pelo Distrito dos USA. Quais são as prioridades humanas, materiais ou apostólicas que o senhor deu a seu novo superior, Padre de Jorna, que foi Reitor do Seminário de Ecône durante 22 anos?

R.: Todas as prioridades podem se resumir em poucas palavras. O novo superior de Distrito tem a tarefa, muito bela, de velar para que se conserve, em todas as casas e entre todos os membros da Fraternidade, o verdadeiro espírito que nosso Fundador nos deixou como legado: um espírito de amor pela fé e pela verdade, pelas almas, pela Igreja e, principalmente, aquilo que decorre disso tudo, um espírito de caridade autêntico entre seus membros. Na medida em que nós conservarmos esse espírito, teremos uma boa influência sobre as almas, e a Fraternidade atrairá ainda numerosas vocações.

La Porte Latine – Programa bonito e entusiasmante! Mas os fiéis precisam unir-se plenamente. O senhor os viu virem muito numerosos na recente peregrinação de Lourdes, na qual celebrou a missa solene do domingo do Cristo Rei. O que o senhor pediu para eles? O que lhes propôs?

R.: Fiquei profundamente emocionado ao ver em Lourdes peregrinos de todas as idades, e, particularmente, muitas famílias e muitas crianças. Essa peregrinação é verdadeiramente excepcional e também muito significativa. Ela nos lembra que o futuro da Igreja e das vocações se encontra nas famílias onde os pais plantaram a Cruz de Nosso Senhor. De fato, é somente a Cruz de Nosso Senhor, e a generosidade que decorre dela, que produz famílias numerosas. Diante de nossa sociedade egoísta e apóstata, castigada por sua própria esterilidade, não há testemunho mais nobre e precioso que aquele de uma jovem mãe com uma coroa de crianças à sua volta. O mundo pode escolher não escutar nossos sermões, mas ele não pode impedir de assistir a esse espetáculo. E isso também representa a Fraternidade. Afinal de contas, é o mesmo ideal da Cruz – repito mais uma vez – que faz com que uma alma se consagre a Deus e que faz com que uma mãe se consagre generosamente e sem reservas à educação de todos os filhos que a Providência lhe quis confiar.

Enfim, essa peregrinação nos lembra também, e principalmente, que todo renascimento só poderá ser feito sob o manto da Santíssima Virgem, pois, no deserto atual, não há lugar no mundo que continua atraindo as almas tanto quanto Lourdes. 

Aos fiéis da França, digo simplesmente: não esqueçam que aqueles que precederam vocês foram combatentes e cruzados, miles Christi, e que a batalha atual pela defesa da fé e da Igreja é sem dúvida a mais importante que a história jamais conheceu. 

Feliz e Santo Ano Novo 2019!