pelo Rev. Pe Stephen Abraham, FSSPX

PALAVRAS DUMA PEDRA OCA E VÃ

Eis algumas reflexões sobre o único texto da Concílio Vaticano II sobre a Santíssima Virgem, o 8º capítulo da Constituição sobre a Igreja, Lumen Gentium.

A leitura dos documentos do Vaticano II é perigosa, tantos para os que se persuadem que nada ali encontrarão de mal, como para os que quereriam que nada neles fosse bom. Porque os primeiros, à força de se deixar impregnar por frase feitas (segundo confissão daqueles que as formularam) no espírito de abertura ao mundo contemporâneo e por preocupação ecumênica, acabam por se corromper no ecumenismo, no espírito do mundo liberal e modernista. Quanto aos segundos, que quereriam que tudo o que vem do concílio fosse mau, podem ficar desconcertados lendo passagens que têm ressonância estranhamente parecida com o ensinamento tradicional, e muito se arriscariam, na sua decepção, a juntar-se aos primeiros.

Como explicar esta força enganadora dos textos do concílio? Vamos tentar fazê-lo, primeiro com um exemplo tirado do ensinamento espiritual de São Francisco de Sales, e depois com um exame muito resumido, à luz da Tradição, do capítulo de Lumen Gentium sobre a Santíssima Virgem. Nele veremos que, apesar das aparências, é justamente a esta luz que não restará grande coisa em honra de Nossa Senhora, não muito mais do que o eco do som de uma «pedra oca e vã».

S. Francisco de Sales

Num curto capítulo do seu Tratado do Amor de Deus, o santo doutor fala-nos «de um certo resto de amor, o qual fica muitas vezes na alma que perdeu a santa caridade» (Livro 4, cap. 9): «estando a caridade separada da alma pelo pecado, nela resta uma certa afinidade com a caridade, que pode desapontar e iludir em vão (…)

«Vi, quando jovem estudante, que numa aldeia próxima de Paris havia eco num certo poço, que repetia várias vezes as palavras que pronunciávamos junto dele. Se algum idiota sem experiência tivesse ouvido estas repetições de palavras, teria crido que no fundo do poço havia algum homem. Mas nós sabíamos (…) que não estava ninguém no poço (…) aquelas vozes já não eram as nossas vozes; mas semelhanças e imagens das nossas vozes.

«E, de facto, muito havia a notar entre as nossas vozes e aquelas; porque, quando dizíamos uma grande sequência de palavras, eram repetidas apenas algumas, encurtando a pronúncia das sílabas que passavam depressa, e com tons e timbres muito diferentes dos nossos, e também não começavam a formar-se as palavras senão após termos acabado de pronunciá-las. Em suma: não eram nada palavras de um homem vivo, mas, por assim dizer, palavras duma pedra oca e vã, as quais representavam tão bem a voz humana, na qual tinham a origem, que um ignorante ali foi iludido e desfrutado.

Lumen gentium (LG 8)

O que é verdade para o resto de hábitos “caritativos” duma alma caída no pecado e vozes que saem do poço, também o é para este 8º capítulo do texto conciliar. Numa primeira leitura superficial tudo parece correto. Mas, se nos aprofundarmos na Tradição por pouco que seja, apercebemo-nos desde logo que há (1) «tons e timbres muito diferentes dos nossos», quando se trata de situar a dignidade da Bem-aventurada Virgem Maria no plano da salvação. Depois (2) há «graves omissões», palavras e noções correntes até essa data no ensinamento dos Papas e dos teólogos sobre o papel de Maria na Redenção, que desaparecem. Enfim (3) há «uma deformação do sentido das palavras» que leva ao erro e à confusão dos espíritos, e os afasta da verdadeira devoção à Mãe de Deus. Estas três causas juntas, fundamentaram uma nova atitude, uma nova teologia, e uma nova devoção em volta da Santíssima Virgem que não lhe rendem honras. É o que vamos tentar mostrar a partir de algumas citações que seguem.

1 – «tons e timbres muito diferentes dos nossos»

Nunca se pode perder de vista que a Santíssima Virgem “estorvava” o esforço ecumênico. Os padres do concílio mais cuidadosos dessa preocupação, obtiveram que não houvesse constituição separada que tratasse especialmente de Maria; «resultaria disso um mal inimaginável do ponto de vista ecumênico» (Karl Rahner). Esse cuidado vai condicionar tudo o que é dito sobre a Santíssima Virgem: «nas suas palavras, ou nas suas ações, eles (os teólogos e os pregadores) devem evitar com cuidado tudo o que possa induzir em erro os irmãos separados, ou qualquer outra pessoa, sobre a verdadeira doutrina da Igreja» (LG 8).

«Além disso, (o concílio) exorta-os com força a abster-se com cuidado de toda a falsa exaltação, como também de toda a estreiteza de espírito, quando considerarem a dignidade particular da Mãe de Deus (LG 8).

«De fato, nenhuma criatura jamais pode figurar no mesmo plano do Verbo Encarnado, nosso Redentor» (LG 8). Eis o que parece claro; mas vejamos o mesmo raciocínio em Pio XII e outros, sobre essa «dignidade particular», e comparemos o eco com a voz:

«Que se preservem de opiniões privadas de fundamento, cujas expressões exageradas ultrapassam os limites do genuíno, e duma estreiteza de espírito excessiva quando se trata da dignidade única, sublime e até quase divina da Mãe de Deus, que o Doutor Angélico nos ensina a atribuir-lhe…» (Pio XII, Ad coeli Reginam, 11.10.1954).

«A Bem-aventurada Virgem, pelo fato da sua Maternidade divina, possui uma certa dignidade infinita» (S. Tomás d’Aquino, Suma Teológica, III, q. 25, a. 6).

«Dizer que ela é a Mãe de Deus excede toda a grandeza que se possa pensar ou dizer a seguir à de Deus» (S. Anselmo).

«A diferença entre os servidores de Deus e a Mãe de Deus é infinita» (S. João Damasceno).

Exageros piedosos? O concílio quer que se abstenham de comparar a Santíssima Virgem com Nosso Senhor. A dificuldade é que tudo nela se define em relação ao seu Divino Filho. Ela foi criada para ser a Mãe de Deus, o que a coloca não só acima dos santos e dos anjos, mas em outra ordem, a ordem divina da Encarnação.

«Os mistérios da graça operados por Deus na Virgem não devem medir-se pelas normas ordinárias, mas pelo poder divino…» (Pio XII, Munificentissimus Deus, 1.11.1950).

«Tudo o que convém a Deus pela natureza, convém a Maria pela graça» (S. Luis Maria G. de Montfort, Verdadeira Devoção, nº 74).

Mesmo dando o concílio de boa vontade o título de Mãe de Deus à Santíssima Virgem, quem poderá negar que o tom e o timbre mudou muito e que fez escola?: «atribuir o máximo a Maria não pode tornar-se a norma da mariologia» (João Paulo II, 4.1.1996).

2 – Graves omissões

«Digamos então corajosamente, com São Bernardo, que temos necessidade de um mediador junto do Mediador, e que Maria divina é a mais capaz de preencher este caritativo encargo; é por ela que Jesus Cristo veio até nós, e é por ela que nós a Ele devemos ir» (São Luis Maria G. de Montfort, Verdadeira Devoção, nº 85).

Nosso Senhor Jesus Cristo é certamente o único Mediador entre Deus e os homens, de pleno direito. No entanto, a Santíssima Virgem, pela livre escolha de Deus, é a Medianeira entre os homens e Deus, porque o Pai Eterno quis que Seu Filho fosse dado ao mundo por aquela que tinha escolhido e preparado, dentre os descendentes da nossa raça. Só ela, dada esta disposição da Providência Divina, era capaz de nos representar diante de Deus e obter-nos todos os benefícios da graça de Jesus Cristo no dia da Anunciação. É nossa Mãe, tanto como Mãe de Deus. Ela está logo abaixo de Jesus Cristo, certamente, mas associa-se tão plenamente e integralmente à Sua missão de Salvador dos homens, que o ensinamento da Igreja não hesitou em estabelecer paralelos entre Jesus e Maria em todas as funções do Salvador. Mediador – Medianeira de todas as graças; Redentor – Corredentora; Cristo Rei – Maria Rainha.

Medianeira de todas as graças

«… assim, tal como não se pode ir ao Pai Supremo senão pelo Filho, não se pode chegar a Cristo senão por Sua Mãe» (Leão XIII, Octobri mense, 22.9.1891).

«Ela dá-nos o seu Filho e com Ele dá-nos todos os socorros de que necessitamos, porque Deus quis que tenhamos tudo por Maria» (Pio XII, Mediator Deis, 20.11.1947).

«Deus Filho comunicou a Sua Mãe tudo o que adquiriu pela Sua vida e pela Sua morte, os Seus méritos infinitos e as Suas virtudes admiráveis, e fê-la tesoureira de tudo o que o Pai lhe deu em herança; é por ela que Ele aplica os Seus méritos aos Seus membros, que comunica as Suas virtudes e distribui as Suas graças; é o Seu misterioso canal, o Seu aqueduto, por onde faz passar docemente e abundantemente as Suas misericórdias» (S. Luis Maria G. de Montfort, Verdadeira Devoção, nº 24).

Corredentora

«Com efeito ela sofreu e quase morreu com seu Filho sofredor e moribundo, abdicou dos seus direitos maternos para salvação dos homens, e tanto quanto lhe pertencia, imolou seu Filho para apaziguar a justiça de Deus, de modo que se pode justamente dizer que ela resgatou, com Cristo, o genro humano» (Bento XV, Inter sodalicia, 22.5.1918).

Porque foi associada a Cristo na obra da Redenção, merece de congruo (de conveniência), como dizem os teólogos, o que Cristo merece de condigno (de pleno direito), e é a suprema dispensadora das graças» (S. Pio X, Ad diem illum, 2.2.1904).

Maria Rainha

«A Bem-aventurada Virgem não só tem o supremo grau, depois de Cristo, da excelência e da perfeição, mas participa também, de algum modo, na acção pela qual se diz, com razão, que seu Filho, nosso Redentor, reina nos espíritos e nas vontades dos homens» (Pio XII, Ad Coeli Reginam, 11.10.1954).

«Maria está nos Céus acima dos Anjos e dos Bem-aventurados. Recompensando a sua profunda humildade, Deus deu-lhe o poder e a incumbência de encher de santos os tronos vazios, dos quais os anjos apóstatas caíram por orgulho. Tal é a vontade do Altíssimo, que exalte os humildes, que o Céu, a Terra e os infernos se curvem, quer queiram ou não, ao poder da humilde Maria, que Ele fez Soberana do Céu e da Terra, generala dos Seus exércitos, tesoureira dos Seus tesouros, dispensadora das Suas graças, obreira das maiores maravilhas, reparadora do gênero humano, medianeira dos homens, exterminadora dos inimigos de Deus e fiel companheira das Suas grandezas e dos Seus triunfos» (S. Luís Maria G. de Montfort, Verdadeira Devoção, nº 28).

Toda esta “actividade” da Santíssima Virgem está bem reduzida em Lumen gentium. Méritos, satisfações, dispensa, soberania efetiva, desaparecem, porque os protestantes têm horror pelas “obras”, em particular pelas da Santíssima Virgem. A noção de corredenção está ausente absolutamente. Em seu lugar fala-se de uma “cooperação”, sobretudo por virtudes assaz passivas: fé, obediência, esperança, e sem falar muito dos frutos efetivos dessa cooperação. Um esquecimento puramente inocente?

Quando, há alguns anos, um grupo de teólogos católicos e protestantes se debruçou sobre estas expressões, eis a sua reação: «O termo “cooperação” é mantido nos textos oficiais cuja intenção ecumênica é evidente… Portanto, não há forçosamente oposição entre a “cooperação” no sentido católico, e a “resposta reconhecida do homem ao dom perfeito” afirmada pelo lado protestante» (Grupo de Dombes, 1997). Quando se pediu aos teólogos “católicos” para estudar a «… possibilidade ou oportunidade de definir um novo dogma de fé sobre Maria Corredentora, Medianeira e Advogada», a sua resposta foi «clara e unânime. Não é oportuno abandonar o caminho traçado pelo Concílio Vaticano II… tal definição não está na linha das grandes orientações do grande texto mariológico de Vaticano II » (Academia Mariana Pontifícia, 4.6.1997) «… os teólogos, sobretudo os não católicos, exprimiram a sua preocupação quanto às dificuldades ecuménicas» (idem).

O concílio manterá alguns títulos da Santíssima Virgem, mas veremos que sentido é preciso dar-lhes: «Também a Bem-aventurada Virgem é invocada na Igreja sob os títulos de Advogada, Auxiliadora, Socorro, e Medianeira. Tudo isto deve entender-se, no entanto, de modo que não se tire nem se junte nada à dignidade e à ação de Cristo, único Mediador» (LG 8).

«Entre os títulos atribuídos a Maria no culto da Igreja, o capítulo 8 de Lumen gentium registra o de ‘Medianeira’. Contudo, teve-se o cuidado de não o ligar a nenhuma teologia particular da mediação, mas unicamente de o juntar aos outros títulos reconhecidos de Maria» (João Paulo II, 2.10.1997). Por conseguinte títulos honoríficos, mas sem significação verdadeira.

Primeira conclusão

Em jeito de conclusão desta primeira parte (segue-se outra sobre a deformação da piedade mariana), podemos citar as palavras de D. Lefebvre, a propósito de outro documento conciliar, mas que mostra bem a presença de outra voz no concílio, um eco sem vida, mas que engana: «Esta constituição pastoral não é nem pastoral, nem emanada da Igreja Católica: não apascenta com a verdade evangélica e apostólica os homens e os cristãos e, por outro lado, nunca a Igreja falou assim. Não podemos escutar esta voz, porque não é a voz da Esposa de Cristo. Esta voz não é a voz do Espírito de Cristo. A voz de Cristo, nosso Pastor, conhecemo-la. Esta, ignoramo-la. A vestimenta é a dos cordeiros; a voz não é a do Pastor, mas talvez a do lobo» (entrevista sobre o esquema A Igreja no Mundo de Hoje – futuro Gaudium et Spes – 9.9.1965).

3 – A deformação da piedade mariana

Vimos, com a ajuda de uma imagem pitoresca de São Francisco de Sales, como os escritos do Vaticano II sobre a Santíssima Virgem, guardando uma aparência de verdade, já não são a voz viva da Tradição e não passam de eco enganador dos ensinamentos tradicionais da Igreja.

«Não eram nada as palavras de um homem vivo, mas, por assim dizer, as palavras de uma pedra oca e vã».

«Tons e timbres diferentes dos nossos…» palavras truncadas ou escamoteadas – no seguimento das deformações sofridas por causa do ecumenismo e da “nova teologia”, o discurso do concílio sobre a Santíssima Virgem (LG 8) parece favorecer uma devoção que é a corrupção completa da que a Igreja sempre professou no decorrer dos séculos. Os inimigos de Nossa Senhora, assim favorecidos, depressa mobilizaram para a sua causa os espíritos fracos. Trata-se, nada menos, nada mais, de uma guerra contra a verdadeira devoção a Nossa Senhora, ou de um cerco em boa e devida forma, que prossegue até aos nossos dias.

Então não é um ardil de guerra envenenar as nascentes de água que abastecem a cidade cercada? A seguir, isolá-la, cortando as estradas e destruindo-lhe as pontes? Por fim, devastar a terra em redor, para que os habitantes não encontrem nada de que se possam socorrer? Reconhecemos estas tácticas operando sobretudo no após concílio, mas o plano já estava bem delineado no próprio concílio.

As nascentes envenenadas

«As verdades que Deus revelou estão contidas na Sagrada Escritura e na Tradição» (Catecismo de S. Pio X, a Fé). Eis as duas fontes da Revelação, objeto da fé; são dignas de igual veneração, porque uma não anda sem a outra. «A Tradição é a palavra de Deus que não está escrita, mas que, comunicada de viva voz por Jesus Cristo e pelos Apóstolos, chegou até nós sem alteração através dos tempos, por intermédio da Igreja.

«Os ensinamentos da Tradição estão contidos principalmente nos decretos dos concílios, nos escritos dos Santos Padres, nos actos da Santa Sé, mas palavras e usos da Sagrada Liturgia» (Catecismo de S. Pio X, a Fé).

Com efeito, a Tradição bebeu os seus exemplos e as suas provas no tesouro da Palavra de Deus, fixada por escrito nas sagradas Escrituras, com uma soberana liberdade, como seu próprio bem: esclareceu-as e completou-as se necessário; sim, Nosso Senhor que falou aos discípulos de Emaús (Luc. 24, 13-32). Sem a Tradição, seríamos «homens insensatos e lentos em crer tudo o que anunciaram os Profetas». Com a Tradição, «não ardia o nosso coração dentro de nós, quando Ele nos falava no caminho e nos explicava as Escrituras?»

São os protestantes que crêem «só na Escritura», que deve bastar-se a si própria. Para nós, católicos, as Sagradas Escrituras só tomam vida quando a voz da Tradição se ouve para as explicar através de ensinamentos constantes (logo, “tradicionais”) da Igreja.

A ansiedade ecumênica do concílio, que consistia em nada dizer que pudesse desagradar aos protestantes, dá à luz uma nova doutrina fétida (sob disfarce de “progresso”), que envenenou verdadeiramente as fontes da Fé. «O novo esquema sobre a Bem-aventurada Virgem Maria (…) manifesta real progresso doutrinal. O realce na fé de Maria é uma preocupação mais sistemática de fundamentar a doutrina mariana na Escritura» (João Paulo II, 14.12.1995). Esta doutrina faz dizer às Sagradas Escrituras coisa diferente, e até contrária da que sempre ensinou a Tradição até aos nossos dias. Que os seguintes alguns exemplos a propósito da Santíssima Virgem bastem para o demonstrar:

Com «só a Escritura», fica uma certa obscuridade quanto à identidade de quem exatamente esmaga a cabeça da serpente na narração do Génesis (3, 15). E o Vaticano II ajuda-nos a adivinhar: «É ela (a Santíssima Virgem) que se adivinha já profeticamente apresentada sob esta luz, na promessa feita aos nossos primeiros pais caídos no pecado, da vitória sobre a serpente» (LG 8).

À luz da Tradição já não estamos mais a «adivinhar», mas estamos certos de que: «A Imaculada esmaga sob seus pés a serpente infernal» (Pio XII, 26.7.1954).

Com «só a Escritura», o papa chega a dizer que não se trata mesmo da Santíssima Virgem: «Ao homem que percorre o caminho do mal, o oráculo divino promete a vinda de outro homem, descendente da mulher, o qual esmagará a cabeça da serpente» (João Paulo II, 4.12.1997)!

Do mesmo modo, na narração da Paixão segundo São João, a Tradição é unânime em ver na palavra de Jesus Cristo a Sua Mãe e a São João, a declaração da maternidade espiritual da Santíssima Virgem de todos os homens: «Jesus proclamou-a do alto da Cruz, quando confiou aos seus cuidados e ao seu amor a totalidade do género humano na pessoa do discípulo João» (Leão XIII, 22.9.1891).

Vaticano II atem-se a «só a Escritura»: «Finalmente, o próprio Cristo Jesus, morrendo na cruz, dá-a como Mãe ao discípulo, dizendo: “Mulher, eis o teu filho”» (LG 8).

Depois de ter contaminado a fonte, a pestilência encontra-se até na catequese “mariana” de João Paulo II: «Jesus, na Cruz, não proclamou formalmente a maternidade universal de Maria, mas instaurou uma relação maternal concreta entre Ela e o discípulo preferido» (João Paulo II, 4.1.1996).

Enfim, um último exemplo: «Uma mulher vestida de sol… ninguém ignora que esta mulher representa a Santíssima Virgem» (S. Pio X, 2.2.1904).

Ninguém? Salvo os que, sob pretexto de uma teologia mais bíblica, fecham os olhos à única luz que ilumina a Bíblia, a Tradição: «Em favor da Imaculada Conceição, cita-se freqüentemente como prova bíblica o capítulo 12 do Apocalipse de São João, no qual se fala da “mulher vestida de sol”; a exegese atual converge em reconhecer nessa mulher a comunidade do povo de Deus que dará à luz com dor o Messias ressuscitado…» (João Paulo II, 30.5.1996).

As pontes destruídas

Dissemos anteriormente que a Santíssima Virgem não é uma santa como as outras. Para a contemplar verdadeiramente, é preciso estabelecer paralelos e aproximações entre ela e o seu Divino Filho, que servem de pontos de partida na ligação dos mistérios de Jesus e de Maria. Mediador – Medianeira de todas as graças; Redentor – Corredentora; Cristo Rei – Maria Rainha. Graças a estas «pontes», a verdadeira devoção a Maria torna-se um «caminho fácil e curto, perfeito e seguro para se ir e unir a Jesus Cristo» (S. Luís Maria G. de Montfort, Verdadeira Devoção, nºs 152-168).

Um dos paralelos mais marcantes do nosso tempo é o dos corações unidos de Jesus e Maria, e a devoção ao Coração Imaculado de Maria: «Meu coração Imaculado será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá a Deus» (Nossa Senhora de Fátima a Lúcia, 13.6.1917). Vaticano II não diz uma única palavra sobre isto, e ocupa-se sobretudo em destruir as pontes que permitiam uma circulação fácil no Reino da Graça. Toda a comparação com Jesus Cristo é excluída. Os «privilégios» da Santíssima Virgem, segundo o concílio, situam-se decididamente nas categorias estabelecidas para as outras almas: «De fato, nenhuma criatura pôde jamais figurar no mesmo plano que o Verbo encarnado, nosso Redentor. Mas, tal como os ministros sagrados e o povo fiel participam, segundo procedimentos vários, no sacerdócio de Cristo, (…) igualmente do mesmo modo a mediação única do Redentor não exclui, mas suscita assaz nas criaturas uma cooperação variada, que provém da única fonte» (LG 8).

Nada de a Santíssima Virgem sair da fila: «Ela (a Santíssima Virgem) está na primeira fila destes humildes e pobres do Senhor que esperam a salvação com confiança» (LG 8). No seguimento, vão banalizar ainda mais a Mãe de Deus: «Exorto todos os católicos do Vietnam a contemplar em Maria uma humilde mulher da nossa humanidade que se deixou conduzir pela ação interior do Espírito» (João Paulo II, 4.12.1997). Estamos bem longe das honras prestadas à Virgem pela Tradição da Igreja:

«E o paraíso viu que ela era realmente digna de receber honra, glória e império, porque era mais cheia de graça, mais sublime, incomparavelmente mais que os maiores santos e os anjos, isoladamente ou reunidos, porque era misteriosamente aparentada, na ordem da união hipostática (união da divindade e da humanidade em Jesus Cristo), a toda a Santíssima Trindade

«Porque associada ao Rei dos mártires, como Mãe e ministra, na obra inefável da Redenção humana, foi-Lhe igualmente associada para sempre, com um poder por assim dizer infinito, na distribuição das graças que decorrem da Redenção» (Pio XII na coroação de Nossa Senhora de Fátima, 13.5.1946).

A terra devastada

Fontes envenenadas, pontes destruídas e, finalmente, a terra devastada; porque, numa guerra de desgaste, nada que possa alimentar o inimigo deve subsistir.

O concílio «no entanto, não tem a intenção de propor um ensinamento completo sobre Maria, nem de dirimir questões que o trabalho dos teólogos ainda não elucidou completamente. Também conservam os seus direitos as opiniões livremente propostas nas escolas católicas sobre aquela que, na Santa Igreja, tem o lugar mais elevado depois de Cristo, e é ao mesmo tempo mais próxima de nós» (LG 8). Liberdade, de fato, somente para os teólogos mais desencaminhados, porque os outros são antecipadamente condenados pelas suas resoluções «exageradas» e não ecumênicas. Tais teólogos não cessam de empestar a vida da Igreja desde o Vaticano II.

«O santo concílio (…) exorta todos os filhos da Igreja a praticar generosamente o culto, especialmente o culto litúrgico, à Bem-aventurada Virgem; a ter em grande estima as práticas e os exercícios de devoção de caráter mariano que o magistério da Igreja recomenda desde há séculos» (LG 8). O que seria bom, não fosse a liturgia, em poucos anos, estar completamente remodelada, no sentido do apoucamento do culto da Santíssima Virgem. Também de notar que não é feita nenhuma menção da devoção à Santíssima Virgem com preeminência sobre os outros, o Santo Rosário – pedida pelos Padres, mas recusado em nome do ecumenismo.

«Os fiéis, eles, devem lembrar-se que a verdadeira devoção não consiste num sentimentalismo estéril e passageiro, nem em certa credulidade vã, mas, pelo contrário, que proceda da verdadeira fé…» (LG 8). Neste deserto não há nenhuma menção das visitas da Santíssima Virgem à Terra nas suas aparições, contudo aprovadas pela Igreja. A dependência filial a Maria transforma-se em «admiração», a sua maternidade divina tem sobretudo valor de «símbolo», o seu poder «por assim dizer infinito» não se exprime mais senão pelas virtudes passivas de fé e de obediência. Eis porque, no presente, a devoção a Maria se estiola nas almas e, contudo, apesar desta táctica de terra queimada, não desapareceu completamente. Possamos nós colher da Santíssima Virgem a força de nos batermos para a sua vitória: dignare me, laudare te – Virgem Santíssima, dignai-vos aceitar o meu louvor. Dai-nos força contra os vossos inimigos!

Tradução: Jornal  Sim Sim Não Não