{"id":22177,"date":"2023-05-12T08:12:42","date_gmt":"2023-05-12T11:12:42","guid":{"rendered":"https:\/\/www.fsspx.com.br\/?p=22177"},"modified":"2023-05-12T08:12:45","modified_gmt":"2023-05-12T11:12:45","slug":"as-ultimas-orientacoes-do-pontificado-de-francisco-entrevista-com-o-superior-geral","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.fsspx.com.br\/as-ultimas-orientacoes-do-pontificado-de-francisco-entrevista-com-o-superior-geral\/","title":{"rendered":"As \u00faltimas orienta\u00e7\u00f5es do pontificado de Francisco – Entrevista com o Superior Geral"},"content":{"rendered":"\n
\n

Entrevista em Menzingen para FSSPX.Actualit\u00e9s 5 de maio de 2023, Festa de S\u00e3o Pio V<\/em><\/strong><\/p>\n
\u201cEnaltece-se uma Igreja sem doutrina, sem dogma, sem f\u00e9, na qual, portanto, n\u00e3o se precisa mais de uma autoridade que ensine nada. Tudo se dissolve em um esp\u00edrito de amor e servi\u00e7o, sem saber bem o que significa e para onde deve levar.\u201d<\/em><\/cite><\/blockquote>\n\n\n\n

\"\"<\/figure>\n\n\n\n
<\/div>\n\n\n\n

FSSPX.Actualit\u00e9s: Reverendo Padre Superior Geral, o Papa Francisco celebrou recentemente o d\u00e9cimo anivers\u00e1rio de seu pontificado. Qual \u00e9, na sua opini\u00e3o, o ponto que mais se destaca nos \u00faltimos anos?<\/strong><\/em><\/p>\n\n\n\n

Padre Davide Pagliarani: Depois das duas ideias centrais e inspiradoras que eram a miseric\u00f3rdia, entendida como \u201canistia universal\u201d, e a nova moral baseada no respeito pela Terra considerada como \u201ccasa comum da ra\u00e7a humana\u201d, \u00e9 ineg\u00e1vel que estes \u00faltimos anos foram caracterizados pela ideia de sinodalidade. Esta n\u00e3o \u00e9 uma ideia absolutamente nova1<\/sup>, mas o Papa Francisco fez da sinodalidade o eixo priorit\u00e1rio de seu pontificado.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 uma ideia t\u00e3o onipresente que por vezes acabamos perdendo o interesse por ela, ainda que represente a quintess\u00eancia de um modernismo maduro e consumado. Do ponto de vista eclesiol\u00f3gico, a revolu\u00e7\u00e3o sinodal deve marcar e transformar profundamente a Igreja na sua estrutura hier\u00e1rquica, no seu funcionamento e, sobretudo, no ensinamento da f\u00e9.<\/p>\n\n\n\n

Quais s\u00e3o as raz\u00f5es pelas quais acabamos nos cansando da sinodalidade?<\/strong><\/em><\/p>\n\n\n\n

Talvez tenhamos particularmente percebido esta quest\u00e3o como um problema alem\u00e3o ou, em \u00faltima an\u00e1lise, um problema belga, e perdemos de vista a sua dimens\u00e3o mais universal. Certamente, os alem\u00e3es desempenham um papel particular no processo sinodal, mas o problema colocado \u00e9 um problema romano e, ent\u00e3o, universal. Em outras palavras, diz respeito a toda a Igreja.<\/p>\n\n\n\n

Como definiria esse processo sinodal?<\/strong><\/em><\/p>\n\n\n\n

Este processo \u00e9 antes de tudo uma realidade concreta, mais do que uma doutrina previamente definida. \u00c9 um m\u00e9todo confuso, ou melhor, uma \u201cpr\u00e1xis\u201d, que foi lan\u00e7ada sem saber todos os resultados poss\u00edveis. Concretamente, \u00e9 uma vontade determinada de fazer a Igreja funcionar de cabe\u00e7a para baixo. A Igreja docente j\u00e1 n\u00e3o se v\u00ea como deposit\u00e1ria de uma Revela\u00e7\u00e3o vinda de Deus e da qual \u00e9 guardi\u00e3, mas como um grupo de bispos associados ao Papa que escutam os fi\u00e9is, e em particular para escutar todas as periferias, que \u00e9 dizer com especial aten\u00e7\u00e3o tudo o que as almas mais distantes possam sugerir. \u00c9 uma Igreja onde o pastor se torna ovelha e a ovelha se torna pastor.<\/p>\n\n\n\n

A ideia subjacente \u00e9 que Deus n\u00e3o se revela atrav\u00e9s dos canais tradicionais da Sagrada Escritura e da Tradi\u00e7\u00e3o, guardados pela hierarquia, mas atrav\u00e9s da \u201cexperi\u00eancia do povo de Deus\u201d. \u00c9 por isso que o processo sinodal come\u00e7ou com uma consulta aos fi\u00e9is das dioceses de todo o mundo. \u00c9 a partir destes dados que se estabeleceram s\u00ednteses ao n\u00edvel das confer\u00eancias episcopais, para conduzir a uma primeira s\u00edntese romana publicada h\u00e1 alguns meses.<\/p>\n\n\n\n

Qual \u00e9 a import\u00e2ncia dessa ideia de que Deus se revela e d\u00e1 a conhecer sua vontade por meio da experi\u00eancia do povo de Deus?<\/strong><\/em><\/p>\n\n\n\n

Essa ideia \u00e9 a pr\u00f3pria base de todo o edif\u00edcio modernista. S\u00e3o Pio X constr\u00f3i toda a sua enc\u00edclica Pascendi <\/em>a partir da den\u00fancia desta falsa ideia da Revela\u00e7\u00e3o. Se, em vez de nos referirmos \u00e0 Sagrada Escritura e \u00e0 Tradi\u00e7\u00e3o, reduzimos a f\u00e9 a uma experi\u00eancia \u2013 primeiro individual, depois comunit\u00e1ria quando \u00e9 partilhada \u2013 ent\u00e3o abrimos o conte\u00fado da f\u00e9 e, conseq\u00fcentemente, a constitui\u00e7\u00e3o da Igreja, a todo tipo de desenvolvimentos poss\u00edveis. Uma experi\u00eancia est\u00e1 por defini\u00e7\u00e3o ligada a um momento, a um per\u00edodo: \u00e9 uma realidade que ocorre no tempo e na hist\u00f3ria e que, portanto, em ess\u00eancia, est\u00e1 em evolu\u00e7\u00e3o. Assim como a vida de cada um de n\u00f3s cont\u00e9m um movimento e, portanto, evolui.<\/p>\n\n\n\n

\n

\u201cA sinodalidade representa a quintess\u00eancia de um modernismo maduro e consumado.\u201d<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n\n\n\n

Tal experi\u00eancia de f\u00e9, necessariamente destinada a evoluir de acordo com as sensibilidades e necessidades dos diversos momentos da hist\u00f3ria, \u00e9 constantemente \u201cenriquecida\u201d com novos conte\u00fados e, ao mesmo tempo, deixa de lado o que n\u00e3o seria mais atual. Assim, a f\u00e9 torna-se uma realidade bastante humana, ligada como a hist\u00f3ria da humanidade a conting\u00eancias sempre novas e mut\u00e1veis. A longo prazo, n\u00e3o resta muito que seja eterno, transcendente, imut\u00e1vel. Se ainda falamos de Deus e da Igreja, essas duas realidades acabam sendo a proje\u00e7\u00e3o do que a experi\u00eancia pode sentir hic et nunc<\/em>. Esses dois termos, junto com todos os outros elementos dogm\u00e1ticos de nossa f\u00e9, s\u00e3o irremediavelmente alterados em seu verdadeiro significado e alcance: eles s\u00e3o gradualmente reabsorvidos na imprecis\u00e3o do que \u00e9 simplesmente terreno e mut\u00e1vel. Seu significado evolui com a humanidade e sua experi\u00eancia de Deus. Esta ideia n\u00e3o \u00e9 nova, mas o processo sinodal representa um novo resultado em sua amplitude e profundidade.<\/p>\n\n\n\n

O que pode nos dizer sobre essa \u201cs\u00edntese romana\u201d mencionada?<\/strong><\/em><\/p>\n\n\n\n

Trata-se de um texto publicado em outubro de 2022 e intitulado \u201cAmplie o espa\u00e7o da sua tenda\u201d. \u00c9 um documento de trabalho elaborado para a reflex\u00e3o dos bispos para cada continente na linha sinodal, ou seja, para os bispos reunidos em n\u00edvel de seus respectivos continentes2<\/sup>. Esta s\u00edntese \u00e9 apresentada como a express\u00e3o do sensus fidei dos fi\u00e9is, e recomenda-se aos bispos que a leiam na ora\u00e7\u00e3o, \u201ccom o olhar do disc\u00edpulo que a reconhece como testemunho de um caminho de convers\u00e3o rumo a um S\u00ednodo da Igreja, que aprende da escuta a renovar sua miss\u00e3o evangelizadora\u201d3<\/sup>. \u00c9, portanto, desta suposta express\u00e3o do sentido da f\u00e9 dos fi\u00e9is que os pastores devem tirar conclus\u00f5es e tomar decis\u00f5es finais.<\/p>\n\n\n\n

\n

\u201cDesejam explicitamente o reconhecimento de uma Igreja que trabalha ao contr\u00e1rio e na qual a Igreja docente j\u00e1 n\u00e3o tem nada a ensinar.\u201d<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n\n\n\n

Ora, o conte\u00fado desse texto, as sugest\u00f5es que ele cont\u00e9m, s\u00e3o um desastre do come\u00e7o ao fim. Praticamente n\u00e3o h\u00e1 nada que possa ser considerado uma express\u00e3o da f\u00e9 cat\u00f3lica: a maioria das sugest\u00f5es, em vez disso, defende uma dissolu\u00e7\u00e3o da Igreja em uma realidade completamente nova. \u00c9 poss\u00edvel entender que os fi\u00e9is, e at\u00e9 os sacerdotes \u2013 principalmente hoje \u2013 podem afirmar coisas estranhas, mas \u00e9 absolutamente inconceb\u00edvel que tais afirma\u00e7\u00f5es tenham ficado guardadas na s\u00edntese produzida pela Secretaria Geral do S\u00ednodo no Vaticano.<\/p>\n\n\n\n

H\u00e1 passagens dessa s\u00edntese que mais o marcaram?<\/strong><\/em><\/p>\n\n\n\n

Infelizmente, a maioria das passagens s\u00e3o assustadoras, mas h\u00e1 duas em particular que me parecem expressar bem todo o documento e, em particular, a vontade de mudar, atrav\u00e9s do S\u00ednodo, a pr\u00f3pria ess\u00eancia da Igreja. Em primeiro lugar, no que diz respeito \u00e0 autoridade, desejam explicitamente o reconhecimento de uma Igreja que trabalha ao contr\u00e1rio e na qual a Igreja docente j\u00e1 n\u00e3o tem nada a ensinar: \u201c\u00c9 importante construir um modelo constitucional sinodal como paradigma eclesial para a desconstru\u00e7\u00e3o do poder piramidal que favorece a gest\u00e3o unipessoal. A \u00fanica autoridade leg\u00edtima na Igreja deve ser a do amor e do servi\u00e7o, seguindo o exemplo do Senhor\u201d4<\/sup>.<\/p>\n\n\n\n

Aqui nos perguntamos se estamos diante de uma heresia ou, simplesmente, de um nada que n\u00e3o podemos qualificar. O herege, de fato, ainda \u201cacredita\u201d em algo, e ainda pode ter uma ideia da Igreja, mesmo que distorcida. Aqui, estamos diante de uma ideia de Igreja que n\u00e3o \u00e9 apenas vaga, mas, para usar um termo da moda, \u201cl\u00edquida\u201d. Em outras palavras, enaltece-se uma Igreja sem doutrina, sem dogma, sem f\u00e9, na qual, portanto, n\u00e3o se precisa mais de uma autoridade que <\/p>\n\n\n\n

ensine nada. Tudo se dissolve em um esp\u00edrito de amor e servi\u00e7o, sem saber bem o que significa \u2013 se \u00e9 que significa alguma coisa \u2013 e para onde deve levar.<\/p>\n\n\n\n

O Sr. mencionou uma segunda passagem que particularmente chamou sua aten\u00e7\u00e3o?<\/strong><\/em><\/p>\n\n\n\n

Com efeito, uma segunda passagem parece-me resumir o esp\u00edrito de todo o texto e, ao mesmo tempo, o sentimento espec\u00edfico destes \u00faltimos anos do pontificado: \u201cO mundo precisa de uma Igreja em destaque<\/em>, que rejeite a divis\u00e3o entre os crentes e n\u00e3o crentes, que dirige o olhar para a humanidade e oferece-lhe, mais do que uma doutrina ou uma estrat\u00e9gia, uma experi\u00eancia de salva\u00e7\u00e3o, um dom do dom <\/em>que responde ao clamor da humanidade e da natureza\u201d5<\/sup>. Estou convencido de que esta curta frase cont\u00e9m um significado e um objetivo muito mais profundos do que pode parecer \u00e0 primeira vista.<\/p>\n\n\n\n

\n

\u201cA Igreja encontra-se reduzida a oferecer um \u201cevangelho\u201d diminu\u00eddo e naturalizado, […] a uma humanidade que n\u00e3o quer mais ser convertida.\u201d<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n\n\n\n

O fato de rejeitar a distin\u00e7\u00e3o entre crentes e n\u00e3o crentes \u00e9 certamente louco, mas l\u00f3gico no contexto atual: se a f\u00e9 n\u00e3o \u00e9 mais uma realidade autenticamente sobrenatural, a pr\u00f3pria Igreja, supostamente para mant\u00ea-la e preg\u00e1-la, altera sua raz\u00e3o de ser e sua miss\u00e3o entre os homens. Com efeito, se a f\u00e9 \u00e9 apenas uma experi\u00eancia dentre outras, n\u00e3o vemos por que seria melhor, nem por que deveria ser imposta universalmente. Em outras palavras, uma experi\u00eancia afetiva n\u00e3o pode corresponder a uma verdade absoluta: seu valor \u00e9 o de uma opini\u00e3o particular, que n\u00e3o pode mais ser a verdade no sentido tradicional da palavra. Isso leva logicamente \u00e0 recusa em distinguir entre crentes e n\u00e3o crentes. S\u00f3 resta a humanidade, com suas expectativas, suas opini\u00f5es e seus gritos, que como tal n\u00e3o reivindicam nada de sobrenatural.<\/p>\n\n\n\n

A Igreja oferece assim \u00e0 humanidade um ensinamento que j\u00e1 n\u00e3o corresponde \u00e0 transmiss\u00e3o de uma Revela\u00e7\u00e3o transcendente. Encontra-se reduzida a oferecer um \u201cevangelho\u201d diminu\u00eddo e naturalizado, um simples livro de reflex\u00e3o e al\u00edvio adequado a todos indiscriminadamente. Nesta perspectiva, compreendemos como a nova teologia ecol\u00f3gica e a moral proposta pela Laudato si\u2019 se oferecem a uma humanidade que n\u00e3o quer mais ser convertida, e na qual n\u00e3o \u00e9 feita mais distin\u00e7\u00e3o entre crentes e n\u00e3o crentes.<\/p>\n\n\n\n

Na m\u00eddia, notamos particularmente a aten\u00e7\u00e3o que o S\u00ednodo d\u00e1 \u00e0s uni\u00f5es entre pessoas do mesmo sexo. Como o Sr. v\u00ea esse problema?<\/strong><\/em><\/p>\n\n\n\n

\u00c9 ineg\u00e1vel que a press\u00e3o exercida a n\u00edvel mundial neste \u00e2mbito encontra eco no processo sinodal. Pede-se \u00e0 Igreja que seja mais acolhedora e atenta \u00e0s necessidades afetivas destas pessoas, sobretudo depois das portas abertas pela Exorta\u00e7\u00e3o Apost\u00f3lica Amoris laetitia. Este \u00e9 um dos assuntos em que a expectativa \u00e9 maior. A impress\u00e3o que se tem ao observar o que est\u00e1 acontecendo \u00e9 que, por um lado, a autoridade da Igreja recorda o princ\u00edpio segundo o qual tais casais n\u00e3o podem ser aben\u00e7oados – foi o que aconteceu, por exemplo, com a resposta do Dicast\u00e9rio para a Doutrina da F\u00e9 em mar\u00e7o de 2021. Por outro lado, tais casais foram aben\u00e7oados em v\u00e1rias ocasi\u00f5es: alguns foram \u00e0 Igreja para receber uma b\u00ean\u00e7\u00e3o ap\u00f3s um casamento civil na prefeitura.<\/p>\n\n\n\n

H\u00e1 alguns meses, os bispos belgas flamengos chegaram a publicar um ritual oficial para aben\u00e7oar esses casais, uma nova iniciativa sobre a qual o Vaticano at\u00e9 agora n\u00e3o reagiu. Segundo o bispo de Antu\u00e9rpia, o Papa mesmo teria sido informado, e decidiu deixar para l\u00e1. Da mesma forma, os alem\u00e3es prop\u00f5em avan\u00e7os consider\u00e1veis e abertamente revolucion\u00e1rios neste campo. Tudo isso inevitavelmente provoca rea\u00e7\u00f5es de alguns bispos e fi\u00e9is, enquanto muitos deles se contentam em observar as coisas passivamente.<\/p>\n\n\n\n

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\u201cOs princ\u00edpios morais tradicionais transformam-se em op\u00e7\u00f5es livres.\u201d<\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n\n\n\n

Assim, cria-se uma dial\u00e9ctica e uma confus\u00e3o, nesta \u00e1rea como noutras, e que faz com que todos, naturalmente, acabem esperando que a autoridade decida… prematuro demais, por\u00e9m ao mesmo tempo avan\u00e7ando e admitindo coisas que, pouco a pouco, v\u00e3o se tornando parte dos costumes e h\u00e1bitos. Por vezes, a doutrina tradicional \u00e9 lembrada e at\u00e9 definida como imut\u00e1vel, o que tranquiliza os conservadores. Contudo as necessidades pastorais dos casos particulares s\u00e3o apresentadas, aplicando uma miseric\u00f3rdia \u201cmilagrosa\u201d que reconcilia os inconcili\u00e1veis. Na realidade, os princ\u00edpios morais tradicionais, como a f\u00e9, transformam-se assim em op\u00e7\u00f5es livres. Isso \u00e9 caracter\u00edstico de uma forma de exercer a autoridade que n\u00e3o mais se pauta por princ\u00edpios transcendentes, mas se mostra sens\u00edvel \u00e0s expectativas do momento, determinada a satisfaz\u00ea- las, segundo uma oportunidade avaliada de forma puramente pragm\u00e1tica.<\/p>\n\n\n\n

No entanto, deve-se entender que tudo isso n\u00e3o para em um determinado ponto. Essa forma de exercer a autoridade passa pelo mesmo mecanismo que rege as democracias modernas: o que n\u00e3o pode ser aprovado hoje, o ser\u00e1 amanh\u00e3, quando pela mesma dial\u00e9tica, por novas press\u00f5es, por novos precedentes, a situa\u00e7\u00e3o estiver suficientemente madura e as mentes suficientemente preparadas. Isso descreve em poucas palavras o mecanismo desencadeado pela sinodalidade, e \u00e9 por isso que nos encontramos diante da figura mais bem-sucedida do modernismo.<\/p>\n\n\n\n

Muito recentemente, um rescrito do Papa Francisco lembra que qualquer novo sacerdote que queira celebrar a Missa Tridentina deve obter a autoriza\u00e7\u00e3o expressa da Santa S\u00e9. Al\u00e9m disso, se uma Missa Tridentina for permitida em uma igreja paroquial, tamb\u00e9m \u00e9 necess\u00e1ria a permiss\u00e3o da Santa S\u00e9. Como o Sr. avalia essas medidas?<\/em><\/p>\n\n\n\n

Acho que n\u00e3o \u00e9 necess\u00e1rio ser um especialista muito grande para compreender o desejo manifesto de acabar com a Missa Tridentina. Este rescrito de fevereiro de 2023, bem como a carta apost\u00f3lica Desiderio desideravi de junho de 2022, visam restringir o uso do missal tradicional quanto poss\u00edvel, e tamb\u00e9m assustar quem gostaria de us\u00e1-lo. Em tais condi\u00e7\u00f5es, dificilmente vejo um jovem padre ter a coragem de se dirigir \u00e0 Santa S\u00e9 para pedir permiss\u00e3o para celebrar a Missa Tridentina. Queiramos ou n\u00e3o, desde o Motu proprio Traditionis Custodes, esta Missa \u00e9 praticamente proibida na Igreja; como nos lembrou o Cardeal Roche muito recentemente, com o Conc\u00edlio \u201cmudou a teologia da Igreja6<\/sup>\u201d e, consequentemente, tamb\u00e9m a sua liturgia, porque \u00e9 a sua express\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Nesse clima, os membros dos chamados Institutos Ecclesia Dei vivem um momento de expectativa e apreens\u00e3o. Ouvimos que um novo documento pontif\u00edcio a respeito deles pode aparecer em breve. O que o Sr. pode nos dizer sobre isso?<\/em><\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o sei nada sobre tal documento, mas acho que um padre n\u00e3o pode viver seu sacerd\u00f3cio de maneira plena, se aceita ter uma espada de D\u00e2mocles constantemente sobre sua cabe\u00e7a; da mesma forma, ele n\u00e3o pode viver em paz, se estiver constantemente atento aos menores rumores. Sup\u00f5e-se que um padre viva de sua Missa, sem se perguntar se ainda ser\u00e1 autorizado por seus superiores a celebr\u00e1-la amanh\u00e3. Ele deve ter a preocupa\u00e7\u00e3o de fazer com que as almas participem dos tesouros que distribui, sem viver constantemente com medo de ser privado deles, ou esperando por um milagre que lhe permita escapar da situa\u00e7\u00e3o prec\u00e1ria em que se encontra. N\u00e3o acho que a Provid\u00eancia queira isso.<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m disso, infelizmente, os membros desses institutos, como muitos sacerdotes que desejam celebrar o rito tridentino, vivem com tanto medo que se condenam ao sil\u00eancio diante dos acontecimentos atuais da vida da Igreja: porque o dia em que expressarem algumas reservas contra o que est\u00e1 acontecendo hoje, eles sabem muito bem que a espada de D\u00e2mocles poder\u00e1 cair. O cardeal Roche est\u00e1 pronto para lembr\u00e1-los disso a qualquer momento. Digo-o com toda a caridade: esta situa\u00e7\u00e3o provoca uma dicotomia permanente entre a esfera lit\u00fargica e a esfera doutrinal, que corre o risco de levar estes sacerdotes a viverem na desilus\u00e3o e a paralis\u00e1-los irremediavelmente na necess\u00e1ria profiss\u00e3o p\u00fablica da sua f\u00e9. \u00c9 por isso que hoje, especialmente em alguns pa\u00edses, a rea\u00e7\u00e3o contra as loucuras do movimento sinodal, paradoxalmente, vem mais de c\u00edrculos que n\u00e3o est\u00e3o apegados ao uso do Missal tradicional.<\/p>\n\n\n\n

Como o Sr. v\u00ea o futuro da Fraternidade S\u00e3o Pio X?<\/strong><\/em><\/p>\n\n\n\n

Vejo-o em perfeita continuidade com o que representou at\u00e9 agora. Deve preocupar-se com os acontecimentos atuais da Igreja, sem se interessar por boatos, pelo que tal cardeal teria dito em total sigilo a tal seminarista, pelo que poderia acontecer, pelo que poderia acontecer conosco… Temos que viver acima disso.<\/p>\n\n\n\n

\n

\u201cDevemos ser conscientes de que ao culto tradicional da Igreja corresponde tamb\u00e9m uma vida moral que n\u00e3o temos o direito de alterar nos seus princ\u00edpios.\u201d<\/mark><\/em><\/p>\n<\/blockquote>\n\n\n\n

Para o bem da Igreja, a Fraternidade deve manter e garantir aos seus sacerdotes e fi\u00e9is a plena liberdade na celebra\u00e7\u00e3o da liturgia tradicional. Ao mesmo tempo, a Fraternidade deve continuar a zelar pela conserva\u00e7\u00e3o da teologia tradicional que acompanha e sustenta esta mesma liturgia. Um cat\u00f3lico ainda l\u00facido n\u00e3o pode renunciar a esta doutrina: sua mudan\u00e7a durante o Conc\u00edlio \u00e9 justamente o que \u2013 parafraseando o cardeal Roche \u2013 inspirou a nova missa. Temos o dever de zelar por ambos, com plena liberdade para nos opor aos erros e \u00e0queles que os ensinam. Com efeito, se a liturgia \u00e9 por defini\u00e7\u00e3o p\u00fablica, a profiss\u00e3o de f\u00e9 a ela associada tamb\u00e9m o \u00e9.<\/p>\n\n\n\n

Ao mesmo tempo, hoje mais do que nunca, devemos ser conscientes de que ao culto tradicional da Igreja corresponde tamb\u00e9m uma vida moral que n\u00e3o temos o direito de alterar nos seus princ\u00edpios. No centro de nossa religi\u00e3o, Deus plantou a Cruz e o Sacrif\u00edcio. Ningu\u00e9m pode se salvar sem a Cruz ou sem o Sacrif\u00edcio, aceitando, em nome de um falso amor e de uma falsa miseric\u00f3rdia, toda esp\u00e9cie de abomina\u00e7\u00f5es. S\u00f3 h\u00e1 um amor que salva, porque s\u00f3 h\u00e1 um verdadeiro amor que purifica: \u00e9 o da Cruz, o da Reden\u00e7\u00e3o; aquilo que Nosso Senhor nos mostrou, que nos comunica e que quis chamar de \u201ccaridade\u201d. Ora, este amor n\u00e3o pode existir sem a f\u00e9, nem sem aqueles que ensinam a f\u00e9.<\/p>\n\n\n\n

<\/p>\n\n\n\n


\n\n\n\n

Notas<\/strong><\/p>\n\n\n\n

1<\/sup> O movimento sinodal come\u00e7ou logo ap\u00f3s o Conc\u00edlio, desde o qual j\u00e1 se realizaram mais de mil s\u00ednodos diocesanos: a presen\u00e7a frequente de leigos foi uma verdadeira novidade.
O Papa Francisco esclareceu os elementos de sua concep\u00e7\u00e3o de sinodalidade desde o in\u00edcio de seu pontificado: primeiro por sua interpreta\u00e7\u00e3o do sensus fidei e da piedade popular como fonte de revela\u00e7\u00e3o (Cf. Evangelii gaudium, n\u00b0 119-120); depois, abordando com mais franqueza a quest\u00e3o da sinodalidade em seu Discurso pelo 50o anivers\u00e1rio da institui\u00e7\u00e3o do S\u00ednodo dos Bispos (17 de outubro de 2015). Com base nisso, a Comiss\u00e3o Teol\u00f3gica Internacional desenvolveu um texto que moldou essa no\u00e7\u00e3o: Sinodalidade na vida e na miss\u00e3o da Igreja (2018), teorizando o processo que vemos em a\u00e7\u00e3o hoje.<\/p>\n\n\n\n

O s\u00ednodo sobre a sinodalidade aparece assim como a aplica\u00e7\u00e3o pr\u00e1tica, na escala de toda a Igreja, de no\u00e7\u00f5es que, expostas e exploradas teologicamente ao longo deste pontificado, foram amplamente vivenciadas desde o Conc\u00edlio.<\/p>\n\n\n\n

2<\/sup> Trata-se mais precisamente de sete continentes, porque as Am\u00e9ricas do Sul e do Norte constituem duas entidades distintas; da mesma forma, o Oriente M\u00e9dio e o restante da \u00c1sia formam duas regi\u00f5es distintas.<\/p>\n\n\n\n

3<\/sup> Expanda o espa\u00e7o da sua tenda<\/em>, n\u00b0 13.<\/p>\n\n\n\n

4<\/sup> Ibidem <\/em>n\u00b0 57.<\/p>\n\n\n\n

5<\/sup> Ibidem <\/em>n\u00b0 42.<\/p>\n\n\n\n

6<\/sup> \u201cA teologia da Igreja mudou\u201d, argumentou o cardeal Roche. \u201cAnteriormente, o padre representava, \u00e0 dist\u00e2ncia, todo o povo: era canalizado por esta pessoa que, sozinha, celebrava a missa. [Hoje, por\u00e9m] n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 o padre que celebra a liturgia, mas tamb\u00e9m quem \u00e9 batizado com ele, e isso \u00e9 uma grande afirma\u00e7\u00e3o.\u201d (Transmiss\u00e3o da BBC Radio 4, transmiss\u00e3o em 19 de mar\u00e7o de 2023.)<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Entrevista em Menzingen para FSSPX.Actualit\u00e9s 5 de maio de 2023, Festa de S\u00e3o Pio V \u201cEnaltece-se uma Igreja sem doutrina, sem dogma, sem f\u00e9, na qual, portanto, n\u00e3o se precisa mais de uma autoridade que ensine nada. Tudo se dissolve em um esp\u00edrito de amor e servi\u00e7o, sem saber bem o que significa e para […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":16320,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_et_pb_use_builder":"off","_et_pb_old_content":"","_et_gb_content_width":"","footnotes":""},"categories":[131,109,7,162,11,38],"tags":[],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.fsspx.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/22177"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.fsspx.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.fsspx.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.fsspx.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.fsspx.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=22177"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.fsspx.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/22177\/revisions"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.fsspx.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media\/16320"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.fsspx.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=22177"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.fsspx.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=22177"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.fsspx.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=22177"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}