1951-1957

 

ALOCUÇÕES

Sobre o Apostolado dos Leigos

 

* Ao fim, uma pequena apresentação do tema feita pelo Rev. Pe. Joël Danjou, FSSPX

I – Discurso ao Congresso Mundial do Apostolado Leigo de 1951

1. É grande a consolação e alegria que inunda Nosso coração ante o espetáculo de vossa imponente assembléia, onde vos vemos reunidos sob Nossos olhos, a vós, Veneráveis Irmãos no Episcopado, e a vós também, queridos filhos e filhas, que acorrestes de todos os continentes e de todas as regiões ao centro da Igreja, para aqui celebrar esse Congresso Mundial sobre o Apostolado dos leigos. Vós lhe estudastes a natureza e o objeto, lhe considerastes o estado presente e meditastes sobre os importantes deveres que lhe incumbem em previsão do futuro. Foram para vós dias de oração instante, de sério exame de consciência, de troca de pontos de vista e experiências. Para concluir, viestes renovar a expressão de vossa fé, de vosso devotamento, de vossa fidelidade ao Vigário de Jesus Cristo e rogar-lhe que fecunde com Sua bênção vossas resoluções e vossa atividade.

2. Muito freqüentemente, no decorrer de Nosso pontificado, temos falado, em circunstâncias e sob aspectos bastante variados, desse apostolado dos leigos, em nossas mensagens a todos os fiéis ou ao Nos dirigirmos à Ação Católica, às Congregações Marianas, aos operários e às operárias, aos mestres e às mestras, aos médicos e aos juristas, e também aos meios especificamente femininos, para insistir acerca de seus deveres atuais mesmo na vida pública, bem como a outros. Foram para Nós outras tantas ocasiões de tratar, incidental ou expressamente, de questões que encontraram, nesta semana, lugar marcado em vossa pauta.

3. Desta vez, em presença de tão numerosas elite de Sacerdotes e de fiéis, todos bem conscientes de sua responsabilidade nesse ou para com esse apostolado, desejaríamos, com uma palavra muito breve, “situar” seu lugar e seu papel atual à luz da história passada da Igreja. Ele nunca lhe foi estranho; seria interessante e instrutivo seguir-lhe a evolução no decurso dos tempos passados.

4. Costuma-se dizer com freqüência que, durante os quatro últimos séculos, a Igreja foi exclusivamente “clerical”, por reação contra a crise que, no século XVI, pretendera chegar à abolição pura e simples da Hierarquia e, a propósito, insinua-se que está em tempo de ampliar ela os seus quadros.

5. Semelhante julgamento está de tal modo longe da realidade quando foi precisamente desde o santo Concílio de Trento que o laicato tomou posição e progrediu na atividade apostólica. É coisa fácil de verificar; basta recordar dois fatos históricos patentes entre muitos outros: as Congregações Marianas de homens exercendo ativamente o apostolado dos leigos em todos os domínios da vida pública, e a introdução progressiva da mulher no apostolado moderno. E convém, a respeito desse ponto, relembrar duas grandes figuras da história católica: uma é a de Maria Ward, essa mulher incomparável que, nas horas mais negras e mais sangrentas, a Inglaterra católica deu à Igreja; a outra, a de S. Vicente de Paulo, figura incontestavelmente plana entre os fundadores e os promotores de caridade católica.

6. Não se deveria também deixar passar despercebida, nem lhe desconhecer a benéfica influência, a estreita união que, até a Revolução francesa, colocava em relações mútuas, no mundo católico, as duas autoridades estabelecidas por Deus: a Igreja e o Estado. A intimidade de suas relações no terreno comum da vida pública criava – em geral – uma como que atmosfera de espírito cristão que dispensava grande parte do trabalho delicado, ao qual devem hoje se dedicar os Padres e os leigos para proverem à salvaguarda e ao valor prático da fé.

7. No fim do século XVIII um fator novo entra em jogo. De um lado, a constituição dos Estados Unidos da América do Norte – que tomavam um desenvolvimento extraordinariamente rápido e onde a Igreja devia logo crescer consideravelmente em vida e em vigor – e, de outro lado, a Revolução francesa, que, com suas conseqüências tanto na Europa quanto no além-mar, terminava por separar a Igreja do Estado. Sem efetuar-se em todo lugar ao mesmo tempo nem no mesmo grau, essa separação teve por toda parte como conseqüência lógica deixar a Igreja prover por seus próprios meios à existência de sua ação e ao cumprimento de sua missão, na defesa de seus direitos e de sua liberdade. Foi a origem dos assim chamados movimentos católicos que, conduzidos por Sacerdotes e leigos, arrastam, confiados nos seus efetivos compactos e na sua sincera fidelidade, a grande massa dos fiéis ao combate e à vitória. Não é já uma iniciação e uma introdução dos leigos no apostolado?

8. Nesta solene ocorrência, consideramos dever muito agradável dirigir uma palavra de reconhecimento a todos os que, Sacerdotes e fiéis, homens e mulheres se incorporaram a tais movimentos pela causa de Deus e da Igreja e cujos nomes merecem ser citados com honra em toda parte.

9. Eles sofreram, combateram, unindo do melhor modo seus esforços por demais dispersos; os tempos não estavam ainda maduros para um congresso tal qual o que acabais de celebrar. Como chegaram eles, pois, à maturação no decurso desse meio século? Vós o sabeis; em ritmo cada vez mais acelerado, a fenda que desde muito tempo separara os espíritos e os corações em dois partidos, pró e contra Deus, a Igreja e a Religião, alargou-se e se aprofundou; ela delineou, talvez não com igual nitidez por toda parte, uma fronteira no próprio seio dos povos e das famílias.

10. Existe, é verdade, toda uma multidão confusa de tíbios, irresolutos e flutuantes, para os quais a religião é ainda talvez alguma coisa mas algo de bem vago, sem nenhuma projeção em sua vida. Essa turba amorfa pode, a experiência e ensina, ver-se de um dia ou outro, de improviso, na contingência de tomar uma decisão.

11. Quanto à Igreja, tem Ela ante todos uma tríplice missão a cumprir: erguer os fiéis fervorosos ao nível das exigências do tempo presente: introduzir aqueles que se demoram nos umbrais, na cálida e salutar intimidade do lar; reconduzir os que se afastaram da religião, e que no entanto Ela não pode abandonar à sua miserável sorte. Bela tarefa para a igreja, mas que se tornou difícil devido a que, embora no conjunto Ela tenha crescido consideravelmente, seu Clero todavia não aumentou em proporção. Ora, o Clero tem necessidade de se poupar antes de tudo para o exercício de seu ministério propriamente sacerdotal, onde ninguém o pode substituir.

12. Um complemento fornecido pelos leigos ao apostolado é portanto de necessidade indispensável. Que ele seja de precioso valor, a experiência da fraternidade de armas ou de cativeiro ou de outras provações da guerra aí está para dar testemunho. Ela atesta, principalmente em matéria de religião, a influência profunda e eficaz dos companheiros de profissão, de condição, de vida. Esses fatores e muitos outros, devidos às circunstâncias de lugar e de pessoas, tornaram mais largas as portas à colaboração dos leigos no apostolado da Igreja.

13. A abundância de sugestões e experiências permutadas no decurso de vosso Congresso, como também o que dissemos nas ocasiões já mencionadas, Nos dispensam de entrar em pormenores mais amplos acerca do apostolado atual dos leigos. Contentar-Nos-emos, pois, em vos expor algumas considerações que podem lançar um pouco mais de luz sobre um ou outro dos problemas que se apresentam.

14. – 1. Todos os fiéis, sem exceção, são membros do corpo místico de Jesus Cristo. Segue-se que a lei da natureza e, mais premente ainda, a lei de Cristo, lhes impõe a obrigação de dar o bom exemplo de uma vida verdadeiramente cristã: “Christi bonus odor sumus Deo in iis qui salvi fiunt, et in iis qui pereunt”. – “Somos para Deus o bom odor de Cristo em meio àqueles que são salvos e em meio àqueles que se perdem” (2 Cor 2, 15). Todos estão também convocados, e hoje sempre mais intensamente, a pensar, na oração e no sacrifício, não somente em suas necessidades privadas, mas ainda nas grandes intenções do reino de Deus no mundo, conforme o espírito do “Pater noster”, que o próprio Jesus Cristo ensinou.

15. Poder-se-ia afirmar que todos são igualmente chamados ao apostolado na acepção estrita da palavra? Deus não deu para tanto a todos nem a possibilidade, nem as aptidões. Não se pode exigir que se encarregue de obras desse apostolado a esposa, a mãe, que educa cristãmente os filhos, e que deve além do mais trabalhar em casa para ajudar o marido a sustentar os seus. A vocação de apóstolos não se destina portanto a todos.

16. Realmente, é árduo traçar com precisão a linha demarcatória, a partir da qual começa o apostolado dos leigos propriamente dito. Dever-se-á, por exemplo, considerar como tal a educação dada seja pela mãe de família, seja por educador e educadora santamente zelosos no exercício de sua profissão pedagógica; ou então o procedimento do médico afamado e francamente católico, cuja consciência não transige nunca quando a lei natural e divina está em jogo, e que milita com todas as suas forças em favor da dignidade cristã dos esposos, dos direitos sagrados da prole; ou ainda a ação do estadista católico em favor de uma política ampla acerca de casas para os menos favorecidos?

17. Muitos se inclinariam para a negativa, não vendo em tudo isso mais que o simples cumprimento, bastante louvável, mas obrigatório, do dever de estado.

18. Conhecemos, entretanto, o poderoso e insubstituível valor, para o bem das almas, desse simples cumprimento do dever de estado por milhões e milhões de fiéis conscienciosos e exemplares.

19. O apostolado dos leigos, no sentido próprio, está sem dúvida em grande parte organizado na Ação Católica e nas outras instituições de atividade apostólica aprovadas pela Igreja; mas, fora destas, pode haver e há apóstolos leigos, homens e mulheres, que olham o bem a fazer, as possibilidades e os meios de fazê-lo; e eles o fazem preocupados unicamente em conquistar almas para a verdade e a graça. Pensamos também em tantos leigos excelentes, que, nas regiões em que a Igreja é perseguida como o era nos primeiros séculos do Cristianismo, substituindo da melhor maneira os Sacerdotes, encarregados, pondo mesmo em perigo a próprio vida, ensinam ao redor de si a doutrina cristã, instruem acerca da vida religiosa e do justo modo de pensar católico, conduzem à freqüência dos Sacramentos e à prática das devoções, especialmente da devoção eucarística. Vós os vedes em ação, a todos esses leigos; não vos inquieteis em perguntar-lhes a que organização pertencem; admirai antes e reconhecei de bom grado o bem que eles fazem.

20. Longe de Nós a intenção de depreciar a organização ou de subestimar o sei valor como fator de apostolado; Nós a estimamos, pelo contrário, muitíssimo, principalmente num mundo em que os adversários da Igreja se precipitam sobre esta com a massa compacta de suas organizações. Mas não deve ela conduzir a um exclusivismo mesquinho, ao que o Apóstolo chamava “explorare libertatem”: “espreitar a liberdade” (Gal 2, 4). No quadro de vossa organização, deixai a cada um grande amplitude para desenvolver suas qualidades e dons pessoais em tudo o que pode servir ao bem e à edificação: “in bonum et aedificationem” (Rom 15, 2) e regozijai-vos quando fora de vossas fileiras virdes outros, “conduzidos pelo espírito de Deus” (Gal 5, 18), conquistar seus irmãos para Cristo.

21. – 2. O clero e os leigos no apostolado. – É fora de dúvida que o apostolado dos leigos está subordinado à Hierarquia Eclesiástica; esta é de instituição divina; não é portanto possível independer dela. Pensar de outro modo seria solapar pela base a rocha sobre a qual o próprio Cristo edificou a sua Igreja.

22. Isto posto, seria ainda errôneo crer que no âmbito da diocese, a estrutura tradicional da Igreja ou sua forma atual colocasse essencialmente o apostolado dos leigos em linha paralela ao apostolado hierárquico, de sorte que o próprio Bispo não pudesse submeter ao Pároco o apostolado paroquial dos leigos. Ele o pode; e pode estabelecer como regra que as obras de apostolado dos leigos destinados à própria paróquia estejam sob a autoridade do Pároco. O Bispo constituiu a este pastor de toda a paróquia, e ele é, como tal, responsável pela salvação de todas as suas ovelhas.

23. Que possa haver, de outra parte, obras de apostolado leigo extra-paroquiais e mesmo extra-diocesanas, – diríamos de mais bom grado supra-paroquiais e supra-diocesanas – segundo exija o bem comum da Igreja, é igualmente verdade e não é necessário repeti-lo.

24. Em Nossa alocução de 3 de maio último à Ação Católica Italiana deixamos entendido que a dependência do apostolado dos leigos em relação à Hierarquia admite graus. Essa dependência é mais estreita para a Ação Católica; esta representa com efeito o apostolado dos leigos oficial; ela é um instrumento nas mãos da Hierarquia, deve ser como que o prolongamento do seu braço, está por essa razão submetida por natureza à direção do superior eclesiástico. Outras obras de apostolado dos leigos, organizadas ou não, podem ser deixadas mais à livre iniciativa, com a amplitude que exigirem os fins a atingir. É claro que, em todo o caso, a iniciativa dos leigos no exercício do apostolado deve-se manter dentro dos limites da ortodoxia e não se opor às prescrições legítimas das autoridades eclesiásticas competentes.

25. Quando comparamos o apóstolo leigo, ou mais exatamente o fiel da Ação Católica, a um instrumento nas mãos da Hierarquia, de acordo com a expressão que se tornou corrente, entendemos a comparação no sentido de que os superiores eclesiásticos dele usam da maneira pela qual o Criador e Senhor usa das criaturas racionais como instrumentos, como causas segundas, “com uma doçura cheia de atenções” (Sb 12, 18). Que façam, pois, uso deles, com a consciência de sua grave responsabilidade, encorajando-os, sugerindo-lhes iniciativas e acolhendo de bom grado as que lhes forem propostas por eles, e conforme a oportunidade, aprovando-as com largueza de vistas. Nas batalhas decisivas é por vezes do front que partem as iniciativas mais felizes. Disto oferece a história da Igreja exemplos assaz numerosos.

26. De maneira geral, no trabalho apostólico é de desejar que a mais cordial harmonia reine entre Sacerdotes e leigos. O apostolado de uns não é concorrência ao de outros. E mesmo, para bem dizer, a expressão “emancipação dos leigos” se se ouve aqui e acolá em nada Noz apraz. Soa de maneira desagradável. Aliás é historicamente inexata. Eram então crianças, menores, e tinham necessidade de esperar a emancipação, esses grandes condottieri aos quais fazíamos alusão ao falar do movimento católico dos últimos cento e cinqüenta anos? De resto, no reino da graça, todos são tidos como adultos. E é isto que tem valor.

27. O apelo ao concurso dos leigos não é devido à fraqueza ou ao revés do Clero em face de sua tarefa presente. Que tenha havido fraquejamentos individuais, é a inevitável miséria da natureza humana, e coisa que se encontra por toda parte, mas, para falar de modo geral, o Padre tem olhos tão bons quanto o leigo para discernir os sinais do tempos, e não tem o ouvido menos sensível para auscultar o coração humano. O leigo é chamado ao apostolado como colaborador do Padre, freqüentemente colaborador muito precioso, e mesmo necessário em virtude da falta de Clero, muito pouco numeroso, dizíamos, para ser apto a satisfazer sozinho sua missão.

28. Não podemos terminar, queridos filhos e filhas, sem recordar o trabalho prático que o apostolado dos leigos realizou e realiza no mundo inteiro, em todos os domínios da vida humana individual e social, trabalho cujos resultados e experiências conferistes e discutistes nestes dias: apostolado a serviço do matrimônio cristão, da família, da criança, da educação e da escola; para os jovens e as jovens. apostolado de caridade e de assistência sob seus aspectos hoje incontáveis; apostolado em prol de melhoria prática das desordens sociais e da miséria; apostolado nas missões ou em favor dos emigrantes e dos imigrantes; apostolado no domínio da vida intelectual e cultural; apostolado das diversões e do esporte; enfim, e não é o menor, apostolado da opinião pública.

29. Recomendamos e louvamos vossos esforços e vossos trabalhos, e, acima de tudo, o vigor da boa vontade e do zelo apostólico que trazeis em vós, que espontaneamente manifestastes durante o próprio Congresso, e que, quais fontes poderosas de águas vivificantes, tornaram fecundas suas deliberações.

30. Felicitamo-vos por vossa resistência a essa tendência nefasta que reina mesmo entre católicos, e que desejaria confinar a Igreja nas questões ditas “puramente religiosas”: e nem é necessário fazer esforço para saber ao certo o que se entende por esta expressão: contanto que a Igreja se confine no santuário e na sacristia, e deixe preguiçosamente a humanidade a debater-se fora, na angústia e nas necessidades, nada mais se lhe pede.

31. É a pura verdade: em certos países ela é forçada a se enclausurar assim. Mesmo nesse caso, entre as quarto paredes do templo, ela deve ainda fazer do melhor modo o pouco que ainda lhe é possível. Ela aí não se confina nem espontânea nem voluntariamente.

32. Necessária e continuamente a vida humana, privada e social, se encontra em contato com a lei e o espírito de Cristo; daí resulta, por força das coisas, uma compenetração recíproca do apostolado religiosa e da ação política. Política, no sentido elevado da palavra, não quer dizer outra coisa senão colaboração para o bem da Cidade, Polis. Mas esse bem da Cidade se estende muito amplamente e, por conseguinte, é no terreno político que se debatem e também se ditam as leis de maior alcance, como as que concernem ao matrimônio, à família, à criança, à escola, para Nos limitarmos a esses exemplos. Não são questões que interessam de modo capital à religião? Podem elas deixar indiferente, apático, a um apóstolo? Na alocução citada mais acima (3 de maio de 1951), traçamos o limite entre a Ação Católica e ação política. A Ação Católica não deve entrar em luta na política de partido. Mas como dizíamos também aos membros da Conferência Olivaint, “tanto é louvável manter-se acima das querelas contingentes que envenenaram as lutas dos partidos… quanto seria reprovável deixar livre, para dirigir os negócios do Estado, aos indignos e aos incapazes” (28 de março de 1948). Até que ponto pode e deve o apóstolo manter-se à distância desse limite? É difícil, acerca deste ponto, formular uma regra uniforme para todos. As circunstâncias, a mentalidade, não são as mesmas em todas as partes.

33. Recebemos vossas resoluções com prazer; elas exprimem vossa firme boa vontade de vos estenderdes a mão uns aos outros, por sobre as fronteiras nacionais, a fim de chegar a uma plena e eficaz colaboração na caridade universal. Se há no mundo uma potência capaz de derrubar as mesquinhas barreiras de preconceitos e de “partis pris”, e de dispor as almas a uma franca reconciliação e a uma fraternal união entre os povos, é bem tal potência a Igreja Católica. Podeis regozijar-vos com altivez. A vós cabe contribuir para isso com todas as vossas forças.

34. Poderíamos dar a vosso Congresso melhor conclusão do que repetir as admiráveis palavras do Apóstolo das nações: “De resto, irmãos, estai na alegria, tornai-vos perfeitos, animai-vos uns aos outros, tendo um mesmo sentimento, vivei em paz, e o Deus de amor e de paz será convosco”? (2 Cor 13, 11). E quando o Apóstolo conclui: “Que a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunicação do Espírito Santo sejam com todos vós” (ib. 13), exprime ele aquilo mesmo que toda ação vossa procura levar aos homens. Que esse dom encha também vossas próprias almas e vossos corações.

35. Seja este Nosso voto final. Queira Deus atendê-los e cumular-vos, a vós e a todo o orbe católico, com Suas melhores graças, em penhor das quais vos concedemos, com toda a efusão de Nosso coração, Nossa Bênção Apostólica.

II – Normas aos Participantes do II Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos de 1957

1. Seis anos são decorridos, caros filhos e caras filhas, desde que, falando ao primeiro Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos, dizíamos, terminando o Nosso discurso: “Se há no mundo poder capaz… de dispor as almas para uma franca reconciliação e para uma fraternal união entre os povos, é bem a Igreja Católica. Disto podeis regozijar-vos com ufania. A vós compete contribuir para isso com todas as vossas forças” (Ver acima I, n. 33).

2. Hoje contemplamos com alegria a assembléia seleta que reúne, para este segundo Congresso Mundial, dois mil representantes vindos de mais de oitenta nações, e entre os quais se contam Cardeais, Bispos, padres, leigos eminentes. Dirigimo-vos a Nossa saudação paterna e cordial, e felicitamo-vos pelo trabalho considerável realizado em alguns anos para concretizar os objetivos que vos haviam sido fixados. A documentação reunida pelo “Comitê Permanente dos Congressos Internacionais para o Apostolado dos Leigos” revela primeiramente que grande número de Bispos têm consagrado a este assunto cartas pastorais; lembra, em seguida, a série dos congressos nacionais e internacionais provocados pelo de 1951 e destinados a lhe prolongar a ação na Índia, no Sudão, na Suíça, na Bélgica (onde mais de três mil dirigentes leigos se encontraram em Lovaina), no México, na Espanha, em Portugal; em Kisubi (Uganda) para toda a África, em Manilha para a Ásia, em Santiago do Chile e em Montevidéu para treze países da América Central e Meridional. A isso acrescentemos ainda os encontros destinados a preparar o segundo Congresso Mundial, e que tiveram lugar em Gazzada, Castel Gandolfo, Roma, Würzburg e Paris.

3. Sem dúvida alguma, o primeiro Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos foi como que um poderoso apelo que suscitou em toda parte múltiplos ecos. Incitou os católicos a considerarem não só os seus deveres para consigo mesmos, mas também os que eles têm para com a Igreja, para com a sociedade civil e para com toda a humanidade. Sublinhou com força a importância do empenho pessoal dos leigos em assumirem e levarem a bem numerosas tarefas no domínio religioso, social e cultural. Fortaleceu, assim, neles o senso das suas responsabilidades na sociedade moderna e a coragem de enfrentá-las, e contribui notavelmente para promover a colaboração e a coordenação entre as diferentes formas de apostolado dos leigos.

4. Como tema do presente Congresso, que foi cuidadosamente preparado por teólogos e especialistas das questões sociais internacionais, escolhestes: “Os leigos na crise do mundo moderno: responsabilidades e formação”. Se, para corresponder ao vosso desejo, vos dirigimos a palavra no começo do vosso Congresso, é na intenção de, por algumas observações sobre os princípios diretores do apostolado dos leigos e sobre certos pontos práticos concernentes à formação e à ação do apóstolo leigo, completarmos o que já seis anos dizíamos.

II. i. ALGUNS ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO APOSTOLADO DOS LEIGOS

Hierarquia e Apostolado

5. Tomaremos como ponto de partida destas considerações uma das questões destinadas a precisar a natureza do apostolado dos leigos: “O leigo encarregado de ensinar a religião com ‘missio canonica’, com o mandato eclesiático de ensinar, leigo para quem esse ensino constitui talvez mesmo a única atividade profissional, não passa, por isso mesmo, do apostolado leigo para o ‘apostolado hierárquico'”?

6. Para responder a esta pergunta, cumpre lembrar-se de que Cristo confiou aos seus próprios Apóstolos um duplo poder: primeiro, o poder sacerdotal de consagrar, poder concedido em plenitude a todos os Apóstolos; em segundo lugar, o poder de ensinar e de governar, isto é, de comunicar aos homens, em nome de Deus, a verdade infalível que os obriga, e de fixar as normas que regulam a vida cristã.

7. Estes poderes dos Apóstolos passaram para o Papa e para os Bispos. Estes, pela ordenação sacerdotal, transmitem a outros, em medida determinada, o poder de consagrar, ao passo que o poder de ensinar e de governar é próprio do Papa e dos Bispos.

8. Quando se fala de “apostolado hierárquico” e de “apostolado dos leigos”, cumpre, pois, ter em conta uma dupla distinção: primeiro, entre o Papa, os Bispos e os sacerdotes, de um lado, e o conjunto do laicato, do outro lado; depois, no seio do próprio clero, entre os que detêm em sua plenitude o poder de consagrar e de governar, e os outros clérigos. Os primeiros (Papa, Bispos e sacerdotes) pertencem necessariamente ao clero; se um leigo fosse eleito Papa, só poderia aceitar a eleição com a condição de estar apto a receber a ordenação e disposto a fazer-se ordenar; o poder de ensinar e de governar, bem como o carisma da infalibilidade ser-lhe-iam concedidos desde o instante da sua aceitação, mesmo antes da ordenação.

9. Agora, para responder à questão formulada, importa considerar as duas distinções propostas. Trata-se, no caso vertente, não do poder de ordem, mas do poder de ensinar. Deste, só os detentores da autoridade eclesiástica são depositários. Os outros, sacerdotes ou leigos, colaboram com eles na medida em que eles lhes fazem confiança para ensinar fielmente e dirigir os fiéis (cf. cân. 1327 e 1328). Os sacerdotes (que agem vi muneris sacerdotalis) e os leigos também podem receber esse mandato que, conforme os casos, pode ser o mesmo para ambos. Distinguem-se, entretanto, pelo fato de um ser sacerdote e o outro leigo e de, por conseguinte, ser sacerdotal o apostolado de um, e o do outro, leigo. Quanto ao valor e à eficácia do apostolado exercido pelo docente de religião, dependem da capacidade de cada um e dos seus dons sobrenaturais. Os docentes leigos, as religiosas, os catequistas em país de missão, todos os que pela Igreja são encarregados de ensinar as verdades da fé, também podem aplicar a si com toda razão a palavra do Senhor: “Vós sois o sal da terra”; “sois a luz do mundo” (Mt 5, 13-14).

10. Claro é que o simples fiel pode propor-se – e é altamente desejável que se proponha – colaborar de maneira mais organizada com as autoridades eclesiásticas, ajudá-las mais eficazmente no seu labor apostólico. Por-se-á ele então mais estreitamente sob a dependência da Hierarquia, única responsável perante Deus pelo governo da Igreja. A aceitação, pelo leigo, de uma missão particular, de um mandato da Hierarquia, se o associa mais de perto à conquista espiritual do mundo, promovida pela Igreja sob a direção dos seus Pastores, não basta para fazer dele um membro da Hierarquia, para lhe dar os poderes de ordem e de jurisdição, que ficam estreitamente ligados à recepção do sacramento da Ordem, nos seus diversos graus.

11. Até aqui não consideramos as ordenações que precedem o sacerdócio e que, na prática atual da Igreja, só são conferidas como preparação para a ordenação sacerdotal. O ofício ligado às ordens menores há muito que é exercido por leigos. Sabemos que atualmente se cogita de introduzir uma ordem do diaconato concebido como função eclesiástica independente do sacerdócio. Hoje pelo menos, a idéia ainda não está madura. Se tal viesse a suceder um dia, nada mudaria ao que acabamos de dizer, senão que esse diaconato tomaria lugar, com o sacerdócio, nas distinções que indicamos.

Responsabilidade dos Leigos

12. Seria desconhecer a natureza real da Igreja e o seu caráter social o distinguir nela um elemento puramente ativo, as autoridades eclesiásticas, e, de outra parte, um elemento puramente passivo, os leigos. Todos os membros da Igreja, como Nós mesmo o dissemos na Encíclica Mystici Corporis Christi, são chamados a colaborar na edificação e no aperfeiçoamento do Corpo Místico de Cristo (cf. Acta Ap. Sedis, a. 35, 1943, p. 241). Todos são pessoas livres, e devem, pois, ser ativos. Às vezes abusa-se do termo “emancipação dos leigos”, quando se utiliza esse termo com um sentido que deforma o caráter verdadeiro das relações existentes entre a Igreja ensinante e a Igreja ensinada, entre sacerdotes e leigos. A respeito destas últimas relações, consignemos simplesmente que as tarefas da Igreja são hoje demasiado vastas para permitirem que as pessoas se entreguem a disputas mesquinhas. Para guardar a esfera de ação de cada um, basta que todos tenham bastante espírito de fé, bastante desinteresse, estima e confiança recíprocas. O respeito da dignidade do sacerdote foi sempre um dos traços mais típicos da comunidade cristã. Em compensação, o próprio leigo tem direitos, e o sacerdote, de seu lado, deve reconhecê-los.

13. O leigo tem direito a receber dos sacerdotes todos os bens espirituais, a fim de realizar a salvação de sua alma e de chegar à perfeição cristã (cân. 87, 682): quando se trata dos direitos fundamentais do cristão, pode ele fazer valer as suas exigências (cân. 467, 1; 892, 1): é o sentido e a própria finalidade de toda a vida da Igreja que aqui está em jogo, bem como a responsabilidade, perante Deus, tanto do sacerdote como do leigo.

14. Provoca-se inevitavelmente um mal-estar quando só se olha à função social. Este não é um fim em si, nem em geral nem na Igreja, pois em definitivo a comunidade está a serviço dos indivíduos, e não inversamente. Se a história mostra que, desde as origens da Igreja, os leigos tinham parte na atividade que o sacerdote desenvolve a serviço da Igreja, verdade é que hoje em dia mais do que nunca devem eles prestar essa colaboração com ainda maior fervor, “para a edificação do Corpo de Cristo” (Ef 4, 12), em todas as formas de apostolado, e em particular quando se trata de fazer penetrar o espírito cristão em toda a vida familiar, social, econômica e política.

15. Um dos motivos desse apelo ao laicato é, sem dúvida, a falta atual de sacerdotes, porém mesmo no passado o sacerdote esperava pela colaboração dos leigos. Mencionemos apenas a contribuição considerável que os professores e professoras católicos, bem como as religiosas, trouxeram ao ensino da religião e, em geral, à educação cristã e à formação da juventude – pense-se, por exemplo, nas escolas católicas dos Estados Unidos. A Igreja lhes é reconhecida por isso: não era esse um complemento necessário do trabalho sacerdotal? Mas persiste que a falta de sacerdotes é hoje particularmente sensível e ameaça vir a sê-lo ainda mais; pensamos em particular nos imensos territórios da América Latina, cujos povos e Estados conhecem na época presente um desenvolvimento rápido. Ali o trabalho dos leigos não é senão mais necessário.

16. Por outro lado, mesmo independentemente do pequeno número dos sacerdotes, as relações entre a Igreja e o mundo exigem a intervenção dos apóstolos leigos. A “consecratio mundi” é, no essencial, obra dos próprios leigos, de homens que estão intimamente entremeados à vida econômica e social, que participam do governo e das assembléias legislativas. Do mesmo modo, as células católicas que devem criar-se em cada fábrica e em cada meio de trabalho, para reconduzirem à Igreja os que dela estão separados, só pelos próprios trabalhadores podem ser constituídas.

17. Aplique também aqui a autoridade eclesiástica o princípio geral do auxílio subsidiário e complementar; confiem-se ao leigo as tarefas que ele pode executar tão bem ou mesmo melhor do que o sacerdote, e, nos limites da sua função ou nos limites traçados pelo bem comum da Igreja, possa ele agir livremente e exercer a sua responsabilidade.

18. Além disso, dever-nos-emos lembrar de que a palavra do Senhor: “Dignus est… operarius mercede sua” (Lc 10, 7), aplica-se também a ele. Muitas vezes tem-nos impressionado o vermos lembrar, nos Congressos missionários para o apostolado dos leigos, a obrigação de dar a esses colaboradores o salário a eles devido; muitas vezes o catequista é completamente ocupado pela sua tarefa missionária, e, por conseguinte, ele próprio e sua família dependem, para viver, daquilo que a Igreja lhes dá. Por outro lado, não deve o apóstolo leigo ofender-se se se lhe pede não fazer à missão que o mantém exigências exageradas.

19. Em ocasião precedente evocamos a figura desses leigos que sabem assumir todas as suas responsabilidades. Dizíamos então serem “homens constituídos na sua integridade inviolável como imagens de Deus; homens ufanos da sua dignidade pessoal e da sua sã liberdade; homens justamente ciosos de serem iguais aos seus semelhantes em tudo o que concerne ao fundo mais íntimo da dignidade humana; homens ligados de maneira estável à sua terra e à sua tradição” (Alocução aos novos Cardeais, 20 de fevereiro de 1946 – Discursos e Radiomensagens, vol. VII, p. 393). Um tal conjunto de qualidades supõe que se tenha aprendido a dominar-se, a se sacrificar, e que se haura incessantemente luz e força nas fontes da salvação que a Igreja oferece.

20. O materialismo e o ateísmo de um mundo em que milhões de crentes devem viver isolados obriga a formar em todos eles personalidades sólidas. Do contrário, como resistirão aos arrastamentos da massa que os cerca? O que é verdadeiro para todos é-o primeiramente para o apóstolo leigo, obrigado não somente a se defender, mas também a conquistar.

21. Isso não tira nada ao valor das medidas de precaução, como as leis de proteção da juventude, a censura dos filmes, e todas as disposições adotadas pela Igreja e pelo Estado para preservar da corrupção o clima moral da sociedade. Para educar o jovem nas suas responsabilidades de cristão, importa conservar-lhe a mente e o coração num ambiente sadio. Poder-se-ia dizer que as instituições devem ser tão perfeitas que possam, por si sós, assegurar a salvaguarda do indivíduo, ao passo que o indivíduo deve ser formado na autonomia do católico adulto, como se só tivesse que contar consigo mesmo para triunfar de todas as dificuldades.

O Apostolado dos Leigos

22. Elaboramos aqui o conceito de apostolado dos leigos no sentido estrito consoante o que mais acima explicamos a respeito do apostolado hierárquico: consiste ele na tomada, por leigos, do encargo de tarefas que emanam da missão confiada por Cristo à sua Igreja. Vimos que esse apostolado persiste sempre apostolado de leigos, e não se torna “apostolado hierárquico” mesmo quando se exerce por mandato da Hierarquia.

23. Daí se segue ser preferível designar o apostolado da oração e do exemplo pessoal como apostolado no sentido mais amplo, ou impróprio, do termo. A este respeito, não podemos senão confirmar os reparos que fazíamos na Nossa carta ao III Congresso Mundial da União Mundial dos Docentes Cristãos, em Viena: “Quer a atividade profissional dos mestres e mestras católicos pertença ou não ao apostolado dos leigos no sentido próprio, persuadi-vos, caros filhos e filhas, de que o mestre cristão que, pela sua formação e dedicação, está à altura da sua tarefa, e que, profundamente convicto da sua fé católica, dá o exemplo dela à juventude que lhe é confiada, como uma coisa que se compreende por si mesma e que se tornou nele uma segunda natureza, exerce a serviço de Cristo e da sua Igreja uma atividade semelhante ao melhor apostolado dos leigos” (5 de agosto de 1957). Pode-se repetir esta afirmação a respeito de todas as profissões, e especialmente das dos médicos ou engenheiros católicos, mormente na hora atual, em que, nos países subdesenvolvidos e nos territórios de missão, eles são chamados ao serviço dos governos locais ou da UNESCO e das outras Organizações internacionais, e pela sua vida e pelo exercício da sua profissão dão o exemplo e uma vida cristã plenamente desabrochada.

24. A Ação Católica traz sempre o caráter de um apostolado oficial dos leigos. Dois reparo aqui se impõem: o mandato, sobretudo o de ensinar, não é dado à Ação Católica no seu conjunto, mas sim aos seus membros organizados em particular, segundo a vontade e a escolha da Hierarquia. A Ação Católica também não pode reivindicar o monopólio do Apostolado dos leigos, porquanto, ao lado dela, subsiste o apostolado leigo livre. Indivíduos ou grupos podem colocar-se à disposição da Hierarquia e ver lhes serem por ela confiadas, para duração fixa ou indeterminada, certas tarefas para as quais eles recebem mandato. Decerto pode a gente então perguntar-se se também não se tornam membros da Ação Católica. O ponto importante é que a Igreja hierárquica, os Bispos e os sacerdotes, podem escolher para si colaboradores leigos, quando acham pessoas capazes e dispostas a ajudá-los.

25. Parece necessário fazermos aqui conhecer, ao menos nas suas linhas gerais, uma sugestão que Nos foi comunicada bem recentemente. Assinala-se que reina atualmente um mal-estar lamentável, assaz largamente difundido, que acharia a sua origem sobretudo no uso do vocábulo “Ação Católica”. Com efeito, esse termo seria reservado a certos tipos determinados de apostolado leigo organizado, para os quais ele cria, perante a opinião pública, uma espécie de monopólio: todas as organizações que não entram no quadro da Ação Católica assim concebida – afirma-se – inculcam-se de menor autenticidade, de importância secundária, parecem menos apoiadas pela Hierarquia, e ficam como que à margem do esforço apostólico essencial do laicato. Daí resultaria o fato de uma forma particular de apostolado leigo, isto é, a Ação Católica, triunfar em detrimento das outras, e assistir-se à manumissão da espécie sobre o gênero. Bem mais, chegar-se-ia, na prática, a fazer-se exclusivista e a fechar a diocese aos movimentos apostólicos que não trazem o rótulo da Ação Católica.

26. Para resolver essa dificuldade, encaram-se duas reformas práticas: uma de terminologia, e, como corolário, outra de estrutura. Primeiramente, haveria que restituir ao termo “Ação Católica” o seu sentido geral, e aplicá-lo unicamente ao conjunto dos movimentos apostólicos leigos organizados e reconhecidos como tais, nacional ou internacionalmente, quer pelos Bispos no plano nacional, quer pela Santa Sé para os movimentos que visem a ser internacionais. Bastará, pois, que cada movimentos particular seja designado pelo seu nome e caracterizado na sua forma específica, e não segundo o gênero comum. A reforma de estrutura seguir-se-ia à fixação do sentido dos termos. Todos os grupos pertenceriam à Ação Católica e conservariam o seu nome próprio e a sua autonomia, mas formariam todos juntos, como Ação Católica, uma unidade federativa. Cada Bispo ficaria livre de admitir ou de recusar tal movimento, de mandatá-lo ou não, mas não lhe pertenceria recusá-lo como não sendo Ação Católica pela sua própria natureza. – A realização eventual de um tal projeto requer, naturalmente, reflexão atenta e prolongada. Pode o vosso Congresso oferecer uma ocasião favorável de discutir e examinar este problema, ao mesmo tempo que outras questão similares.

27. Resta ainda uma palavra a dizer, para rematar estas considerações de princípio, sobre as relações do apostolado dos leigos com a autoridade eclesiástica. Basta então repetir o que, já em 1951, estabelecíamos como regra geral: que o apostolado dos leigos, nas suas formas mais variadas, deve “manter-se sempre nos limites da ortodoxia, e não se opor às legítimas prescrições das autoridades eclesiásticas competentes” (Ver I, n. 24). Entrementes vimo-Nos forçado a refutar uma opinião errônea sobre a “teologia leiga”, opinião que derivava de uma concepção inexata da responsabilidade do leigo (Aloc. “Si diligis”, 31 de maio de 1954 – Discursos e Radiomensagens, vol. XVI, p. 45). O termo “teologia leiga” é destituído de qualquer sentido. A norma que se aplica em geral ao apostolado dos leigos, e que acabamos de relembrar, vige tão naturalmente, e mais ainda, para o “teólogo leigo”; mas, se ele quiser publicar escritos sobre matérias teológicas, também precisa da aprovação explícita do Magistério eclesiástico.

28. A atividade do leigo católico é particularmente oportuna nos domínios onde a investigação teológica ladeia a das ciências profanas. Recentemente, por iniciativa da Görres-Gesellschaft, um grupo de teólogos e de naturalistas acordaram discutir, em encontros regulares, sobre as questões comuns que lhes interessam. Só podemos felicitá-los por tal iniciativa.

II. ii. FORMAÇÃO DOS APÓSTOLOS LEIGOS. EXERCÍCIO DO APOSTOLADO DOS LEIGOS.

29. Alguns reparos bastarão a respeito da formação dos apóstolos leigos. Nem todos os cristãos são chamados ao apostolado leigo no sentido estrito. Já dissemos que o Bispo deveria poder tomar colaboradores entre aqueles que ele achar dispostos e capazes, pois a disposição somente não basta. Os apóstolos leigos formarão, pois, sempre um escol; não por se conservarem afastados dos outros, senão, muito ao contrário, por serem capazes de atrair os outros e de agir sobre eles. Assim se compreende que, além do espírito apostólico que os anima, devam eles possuir uma qualidade sem a qual fariam mais mal do que bem: o tato.

30. Por outro lado, para adquirir a competência requerida, cumpre evidentemente aceitar o esforço de uma séria formação: esta, cuja necessidade para os docentes ninguém põe em dúvida, impõe-se igualmente para todo apóstolo leigo, e com prazer soubemos que o encontro de Kisubi insistiu fortemente sobre a formação intelectual. – Quanto aos leigos que se ocupam da administração dos bens eclesiásticos, sejam eles escolhidos com prudência e com conhecimento de causa. Quando uns incapazes ocupam esses cargos, não sem prejuízo para os bens eclesiásticos, a culpa disso recai menos sobre eles mesmos do que sobre as autoridades que os chamaram ao su serviço.

31. Na hora atual, até mesmo o apóstolo leigo que trabalha entre os operários nas fábricas e nas empresas tem necessidade de um saber sólido em matéria econômica, social e política, e também deverá, pois, conhecer a doutrina social da Igreja. Conhece-se uma Obra de apostolado para os homens que forma os seus membros num “Seminário Social” que recebe 300 participantes durante cada semestre de inverno, e dispõe dos serviços de vinte conferencistas: professores de Universidade, juízes, economistas, juristas, médicos, engenheiros, conhecedores de línguas e de ciências. Ao que nos parece, este exemplo merece ser seguido.

32. A formação dos apóstolos leigos será tomada em mão pelas próprias obras de apostolado leigo, que acharão auxílio junto ao clero secular e às Ordens religiosas apostólicas. Os Institutos seculares trar-lhes-ão também, estamos certos, uma colaboração apreciada. Para a formação das mulheres no apostolado leigo, as religiosas já têm no seu ativo belas realizações, em países de missão e alhures.

33. Quiséramos chamar especialmente a vossa atenção para um aspecto da educação dos jovens católicos: a formação do seu espírito apostólico. Em vez de ceder a uma tendência um pouco egoísta, pensando só na salvação da sua alma, tomem eles também consciência da sua responsabilidade para com os outros e dos meios de os ajudar. Nenhuma dúvida, aliás, de que a oração, o sacrifício, a ação corajosa para ganhar os outros para Deus, sejam penhores seguríssimos da salvação pessoal. Com isto absolutamente não pretendemos censurar o que se fez no passado, pois não faltam nele realizações numerosas e notáveis a este respeito. Pensamos, entre outros, nos hebdomadários católicos, que têm alimentado o zelo de muitos pelas obras caritativas e pelo apostolado. Movimentos como a Obra da Santa Infância têm tido, neste sentido, iniciativas fecundas. Todavia, o espírito apostólico implanta-se no coração da criança não somente na escola, mas também muito antes da idade escolar, pelos cuidados da própria mãe. Aprenderá ela como rezar na Missa, como oferecê-la com intenção que abranja o mundo inteiro e sobretudo os grandes interesses da Igreja. Examinando-se sobre os deveres para com o próximo, ela não se perguntará somente: “Fiz mal ao próximo?”, mas ainda: “Mostrei-lhe o caminho que conduz a Deus, a Cristo, à Igreja, à salvação?”

34. Quanto ao exercício do apostolado leigo, já que as reflexões acima emitidas tocaram vários pontos, só trataremos aqui de certos campos de apostolado de onde se levanta, por enquanto, um apelo mais urgente.

A Paróquia

35. Não é um sinal confortador o fato de, hoje em dia, até mesmo adultos considerarem como uma honra o servirem no altar? E os que, pela música e pelo canto, contribuem para o louvor de Deus e para a edificação dos fiéis, exercem, sem dúvida alguma, um apostolado leigo digno de elogios.

36. O apóstolo leigo empenhado no apostolado de bairro, e que vê lhe serem confiados grupos de casas da paróquia, deve tratar de se informar com exatidão da situação religiosa dos habitantes. As condições de habitação são más ou insuficientes? Quem é que teria necessidade do socorro das obras caridosas? Há ali casamentos a regularizar? crianças a batizar? Que valem as bancas de jornais, as livrarias, as bibliotecas circulares do bairro? Que é que lêem os jovens e os adultos? A complexidade e às vezes o caráter delicado dos problemas a resolver neste tipo de apostolado convidam a só aplicar nele uma “elite” dotada de tacto e de verdadeira caridade.

Imprensa, Rádio, Filme, Televisão

37. As empresas de edições e de livraria são, para o apostolado leigo, um terreno de escolha. Folgamos de saber que a grande maioria dos editores e livreiros católicos consideram a sua profissão como um serviço da Igreja.

38. A biblioteca paroquial pode ser mantida convenientemente por leigos, que habitualmente serão leitores e leitoras experimentados. Nas bibliotecas circulantes, bons católicos acharão também ensejo de fazer o bem.

39. O jornalista católico, que exerce o seu mister com espírito de fé, é muito naturalmente um apóstolo leigo. O Congresso de Manilha pediu para a Ásia jornalistas católicos e uma imprensa católica. Aliás, é normal que os católicos colaborem com a imprensa, mesmo com a de interesse local.

40. No que diz respeito ao rádio, ao cinema, à televisão, encaminhamos ao que dissemos na Encíclica Miranda prorsus, de 8 de setembro deste ano (1957). Dupla tarefa deve cumprir-se: evitar todo elemento de corrupção, e promover os valores cristãos. Contam-se atualmente no mundo inteiro doze bilhões de pessoas que freqüentam cada ano as salas locais de espetáculo. Ora, sobejos espetáculos, entre os que lhes são oferecidos, não atingem o nível cultural e moral que se estaria no direito de esperar. O fato mais lamentável é que, as mais das vezes, o filme apresenta um mundo em que os homens vivem e morrem como se Deus não existisse. Trata-se, pois, de evitar aqui perigos mortais para a fé e para a vida cristã. Jamais se poderia arcar diante de Deus com a responsabilidade de tolerar semelhante situação, e com todas as forças deve-se tentar modificá-la. Por isto somos gratos a todos os que, no domínio do rádio, do filme e da televisão, empreendem um trabalho corajoso, inteligente e sistemático, já recompensado por muitos resultados que autorizam sérias esperanças. Em particular recomendamos as associações e ligas que se propõem fazer prevalecer os princípios cristãos no uso do cinema.

41. Nas paróquias, ou ao menos nos decanatos, grupos de trabalho formarão não somente os seus membros e os seus colaboradores, mas também o público, nos seus deveres para com o rádio, o cinema e a televisão, e ajuda-los-ão a cumpri-los. No que concerne à televisão, é indispensável que a Igreja esteja representada nos “comitês” encarregados de elaborar programas, e que especialistas católicos tomem assento entre os produtores. Os sacerdotes bem como os leigos são convidados a esta tarefa – pode o sacerdote possuir nisto competência igual à do leigo, – mas em todos os casos a intervenção dos leigos é requerida.

O Mundo do Trabalho

42. Vinte milhões de jovens entram cada ano no trabalho no mundo inteiro. Entre eles achamos católicos, mas também milhões de outros que são bem abertos a uma formação religiosa. Por todos eles deveis sentir-vos responsáveis. Quantos deles a Igreja conserva? quantos torna a ganhar? Visto que o clima da empresa é nefasto ao jovem, a “célula” católica deve intervir nas oficinas, como também nos trens, nos ônibus, nas famílias, nos bairros; em toda parte ela agirá, dará o tom, exercerá uma influência benéfica, difundirá uma vida nova. Assim, um contramestre católico será o primeiro a se ocupar dos recém-vindos, por exemplo, para lhes achar uma casa conveniente, para lhes proporcionar boas amizades, para os pôr em relação com a vida eclesiástica local, e velará por que eles se aclimem facilmente à sua situação.

43. O apelo que o ano passado lançávamos aos católicos alemães dirige-se também aos apóstolos leigos do mundo inteiro, onde quer que reinem a técnica e a indústria: “Uma tarefa importante vos incumbe, – dizíamos-lhes, – a de dar a esse mundo da indústria uma forma e uma estrutura cristãs… Cristo, para quem tudo foi criado, o Senhor do mundo, também continua sendo Senhor do mundo atual, pois este igualmente é chamado a ser um mundo cristão. A vós pertence conferir-lhe a marca de Cristo” (Mensagem radiofônica ao Kölner Katholikentag, 2 de setembro de 1956 – Discursos e Radiomensagens, vol. XVIII, p. 397). Tal é realmente a mais pesada, mas também a maior, tarefa do apostolado laico católico.

A CECA

44. Recentemente reuniu-se em Luxemburgo um Congresso sobre os problemas sociais na Comunidade européia do carvão e do aço. O relatório que o ICARES (Institut International Catholique de Recherches Socioecclésiales) apresentou sobre ele continha três pontos que Nos parecem de importância particular para a questão aqui tratada. Primeiro, a população mineira do território da Comunidade, que se estende do Ruhr à Bélgica e aos Pirineus, compõe-se, na maioria, de emigrantes pertencentes aos diversos países da Europa. Em segundo lugar: quanto à prática religiosa, os mineiros, em comparação com o meio social circundante, só representam a mais fraca minoria, porque são mais facilmente desarraigados do que as outras categorias de trabalhadores. Têm, pois, necessidade de uma reintegração social. Em terceiro lugar, e isto se aplica à vida da comunidade católica, a conduta religiosa do mineiro emigrado depende estreitamente da situação de sua família, das condições de habitação, da integração mais ou menos rápida no meio que o recebe. Diz, mesmo, o relatório que o apostolado leigo deve propor-se aplicar concretamente aos emigrados as normas da Constituição Apostólica Exsul familia.

45. Cumpre absolutamente evitar que os mineiros da CECA se tornem a presa de movimentos ateístas, e pôr tudo por obra a fim de que eles sejam salvos e venham a Deus e a Cristo.

A América Latina

46. A situação da Igreja na América Latina é caracterizada por um aumento rápido da população: esta, que em 1920 contava 92 milhões de pessoas, breve contará 200 milhões. Nas grandes cidades, a população acumula-se em massas enormes: o progresso técnico e industrial avança rapidamente; em compensação, os padres são em número insuficiente: em vez dos 160.000 que seriam estritamente necessários, achamos apenas 30.000. Enfim, quatro perigos mortais ameaçam ali a Igreja: a invasão das seitas protestantes; a secularização da vida toda; o marxismo, que nas universidades se revela o elemento mais ativo e tem em mãos quase todas as organizações de trabalhadores; e, finalmente, um espiritismo inquietador.

47. Nestas circunstâncias o apostolado leigo parece-Nos incumbido de três responsabilidades principais: primeiro, a formação de apóstolos leigos para suprir a falta de padres na ação pastoral. Em certos países onde o comunismo está no poder, diz-se que a vida religiosa, após a prisão dos padres, tem podido continuar de maneira oculta, graças à intervenção dos apóstolos leigos. O que é possível em tempo de perseguição deve sê-lo também em período de relações pacíficas. Apliquem-se, pois, as pessoas a formar sistematicamente e a por em obra os apóstolos leigos nas paróquias gigantes, de cinqüenta a cem mil fiéis, ao menos por todo o tempo enquanto durar a falta de padres. Depois, introduzam-se no ensino, da escola primária à universidade, homens e mulheres católicos exemplares como docentes e como educadores. Em terceiro lugar, sejam eles metidos na direção da vida econômica, social e política. Há quem se queixe de que na América Latina a doutrina social da Igreja seja muito pouco conhecida. Ali se sente, pois, a necessidade de uma formação social aprofundada, e da ação de uma “elite” operária católica para disputar pacientemente as organizações de trabalhadores à influência do marxismo. Já agora associações obreiras católicas trabalham de maneira notável em vários lugares. A elas somos, por isso, muito reconhecido. Mas não deve isso ser a exceção, antes deve ser a regra, num continente católico como a América Latina.

Nas Missões da Ásia e da África

48. Entre os numerosos problemas que aqui poderíamos tratar, reiteremos alguns que Nos parecem mais importantes. Por ocasião do Congresso dos Leigos em Manilha, uma voz autorizada pos em evidência uma tarefa cuja natureza precisa e cuja exata concepção a Hierarquia eclesiástica pode ter de fixar, mas que, sob as suas mil formas, deve ser cumprida pelos leigos. Trata-se da utilização das forças católicas – e estas podem ser muito consideráveis – para que a vida nacional se desenvolva harmoniosamente, livre do nacionalismo extremista e do ódio nacional, a despeito de todos os azedumes que as épocas passadas possam ter acumulado, e isso unindo os valores da cultura nada têm de repreensível.

49. Salvo nas Filipinas, os católicos da Ásia, como, na maioria, os da África, constituem entre o seu povo minorias. Distingam-se eles, pois, tanto melhor pelo exemplo! De modo particular, deverão interessar-se mais pela vida pública, econômica, social e política. Com efeito, onde quer que o fazem, eles têm adquirido a estima dos não-católicos, mas só entrarão na vida pública depois de para isto se haverem bem preparado. A doutrina social católica ainda é pouquíssimo conhecida na Ásia. Por isto as Universidades católicas da América e da Europa deverão prestar de bom grado o seu auxílio aos cristãos da Ásia e da África que desejem preparar-se para os cargos públicos.

50. Formar-se-ão docentes de valor para as escolas de todos os graus. Na Ásia como na África, as escolas católicas são muito estimadas pelos não-católicos. Por Nossa parte desejamos que o ensino da religião vele mais por não separar a doutrina da vida.

51. Uma palavra a respeito do emprego dos catequistas. A Ásia e a África contam, para um bilhão e meio de habitantes, uns 25 milhões de católicos, com 20.000 a 25.000 padres e 74.000 catequistas. Se a este número juntarmos os docentes, que, muitas vezes, são os melhores catequistas, chegamos a 160.000. O catequistas representa talvez o caso mais clássico do apostolado leigo, pela própria natureza da sua profissão e por suprir a falta de padres. Avalia-se, ao menos entre os missionários da África, que um missionário acompanhado de 6 catequistas consegue mais do que conseguem 7 missionários; com efeito, o catequista competente trabalha num meio familiar, cuja língua e cujos costumes ele conhece bem; entra em contato com os indivíduos bem mais facilmente do que um missionário vindo de longe.

52. Os catequistas são, pois, uns apóstolos leigos autóctones; mas existe também um apostolado de leigos e de ajudantes de leigos missionários estrangeiros. Médicos, engenheiros, trabalhadores manuais de diversas profissões querem apoiar nas missões o trabalho dos padres pelo seu exemplo e pela sua atividade profissional, mormente para a formação dos indígenas. Simultaneamente com a sua formação profissional, ou depois desta, recebem eles uma formação espiritual em mira à sua atividade missionária. Existem presentemente doze destes movimentos ou obras, coordenadas por um secretariado geral em Milão. Mas o laicato missionário ainda está no início da sua expansão, e, de resto, só pode aceitar uma “elite”.

53. Pela sua economia, a Ásia persiste, à razão de 70%, uma região de agricultura, e com toda razão se tem dito que, se o agricultor é o homem mais importante da Ásia, também é o mais descurado. A este respeito, os católicos têm consciência de deverem examinar-se. Nas Filipinas, os leigos católicos, que, com o padre, se ocupam do reerguimento social e religioso dos agricultores, são os apóstolos leigos mais apreciados.

54. As mulheres da Ásia e da África oferecem ao apostolado leigo feminino inúmeras ocasiões de empregar-se: nas escolas de todo gênero, na luta contra os casamentos de meninos, contra os casamentos forçados, contra o divórcio, contra a poligamia. Do mesmo modo quanto ao preparo das moças para o casamento, o qual se faz com fruto por meio de religiosas, por exemplo, em Hong-Kong, no Congo Belga e em Uganda, e quanto à formação de grupos de mulheres católicas, que se ajudam mutuamente e trazem o seu apoio caridoso às mulheres não-católicas do seu bairro.

55. Apostolado difícil, sem dúvida, o das mulheres, mas também cheio de esperança. Porquanto, em todos os territórios de missão onde o catolicismo se tem desenvolvido, a experiência mostra que a dignidade feminina é mais bem respeitada.

56. Na África especialmente, vemos com alegria e gratidão o dinamismo extraordinário das jovens gerações de católicos nas tarefas culturais, sociais e políticas. Cooperem eles, pois, nos movimentos sindicais de inspiração cristã, como no Vietnam e na África equatorial e ocidental, e formem cooperativas de venda e de consumo; participem da representação nacional e dos negócios comunais: a Igreja não faz somente induzir à piedade, mas responde a todas as questões de vida. Portador de riquezas espirituais do seu continente, o jovem laicato africano será a testemunha delas e as cultivará na sua vida e na sua ação.

57. Para findar, damo-vos duas diretrizes: primeiro, colaborardes com os movimentos e organizações neutras e não-católicas, se e na medida em que, com isso, servirdes o bem comum e a causa de Deus. Em segundo lugar, participai mais das organizações internacionais. Esta recomendação dirige-se a todos, mas concerne particularmente aos técnicos da agricultura.

Conclusão

58. Sempre houve na Igreja de Cristo um apostolado dos leigos. Santos como o Imperador Henrique II, Estevão, o criador da Hungria católica, Luís IX de França, eram apóstolos leigos, se bem que, no início, não estivessem cônscios disto, e que o termo apóstolo leigo ainda não existisse naquela época. Mulheres também, como Santa Pulquéria, irmã do Imperador Teodósio II, ou Mary Ward, era apóstolos leigos.

59. Se hoje em dia esta consciência é despertada, e se o termo apostolado leigo é um dos mais empregados quando se fala da atividade da Igreja, é porque a colaboração dos leigos com a Hierarquia nunca foi necessário até este ponto, nem praticada de maneira tão sistemática.

60. Essa colaboração traduz-se em mil formas diversas, desde o sacrifício silencioso oferecido pela salvação das almas, até à boa palavra e ao exemplo que força a estima dos próprios inimigos da Igreja, até à cooperação nas atividades próprias da Hierarquia, comunicáveis aos simples fiéis, e até às audácias que se pagam com a vida, mas que só Deus conhece e que não entram em nenhuma estatística. Talvez que este apostolado leigo oculto seja o mais precioso e o mais fecundo de todos.

61. O apostolado leigo tem, aliás, como qualquer outro apostolado, duas funções: a de conservar e a de conquistar, ambas as quais se impõem com urgência à Igreja atual. E, para o dizermos bem claramente, a Igreja de Cristo não cogita de abandonar sem luta o terreno ao seu inimigo declarado, o comunismo ateu. Este combate será prosseguido até o fim, mas com as armas de Cristo!

62. Ponde-vos em obra com uma fé ainda mais forte do que a de São Pedro quando, ao chamado de Jesus, largou a sua barca e andou sobre as águas para ir ao encontro do seu Senhor (cf. Mt 14, 30-31).

63. Durante estes anos tão agitados, Maria, a Rainha gloriosa e poderosa do céu, tem feito sentir, nas mais diversas regiões da terra, a sua assistência de maneira tão tangível e maravilhosa, que lhe recomendamos com confiança ilimitada todas as formas do apostolado leigo.

64. Em penhor da força e do amor de Jesus Cristo, que se difundem também no apostolado leigo, concedemos aos Nossos Veneráveis Irmãos no Episcopado aqui presentes, aos sacerdotes que participam do vosso Congresso e a todos vós, homens e mulheres do apostolado leigo, a todos os que aqui vieram e aos que trabalham no mundo inteiro, a Nossa paternal Bênção Apostólica.

PAPA PIO XII

* Apresentação:

pelo Rev. Pe. Joël Danjou

 

O apostolado leigo, uma questão atual de grande importância.

Apresentamos a seguir dois documentos fundamentais do Papa Pio XII.

No primeiro deles o Papa Pio XII dizia em 1951: “Um complemento fornecido pelos leigos ao apostolado é portanto de necessidade indispensável.”(nº12). Em conseqüência é necessário saber quem é chamado a esse apostolado e quais são os princípios que permitem assegurar os seus melhores efeitos para as almas. É no respeito e na aplicação dos princípios que as mais diversas obras de apostolado podem esperar esses bons frutos. “É fora de dúvida que o apostolado dos leigos está subordinado à Hierarquia Eclesiástica; esta é de instituição divina; não é portanto possível independer dela. Pensar de outro modo seria solapar pela base a rocha sobre a qual o próprio Cristo edificou a sua Igreja.”(nº21). Esse apostolado, é como “um instrumento nas mãos da Hierarquia”(nº25). “ O leigo é chamado ao apostolado como colaborador do Padre, freqüentemente colaborador muito precioso, e mesmo necessário em virtude da falta de Clero, muito pouco numeroso, dizíamos, para ser apto a satisfazer sozinho sua missão.”( nº27).

Num segundo documento do ano 1957, Pio XII precisa ainda mais os aspectos fundamentais do apostolado dos leigos. Explica expressões e noções como “apostolado hierárquico” e “apostolado dos leigos”, discerne quem deve e quem pode ensinar, e de qual maneira. Insiste sobre a necessária “formação dos apóstolos leigos” e o “exercício do apostolado dos leigos”.

Muito prático também, o documento do Papa indica vários exemplos concretos. Considera com uma lucidez confirmada pela situação presente, as necessidades próprias da América Latina, da Ásia e da África.

“… quatro perigos mortais ameaçam ali (América Latina) a Igreja: a invasão das seitas protestantes; a secularização da vida toda; o marxismo, que nas universidades se revela o elemento mais ativo e tem em mãos quase todas as organizações de trabalhadores; e, finalmente, um espiritismo inquietador.”(nº46).

Com essa leitura, compreendemos que o verdadeiro apostolado leigo é motivo de muitas esperanças para a Igreja, causa viva de santificação para os leigos, e fonte do espírito missionário que faz inevitavelmente brotar as vocações sacerdotais e religiosas.