Sermão pronunciado pelo Reverendíssimo Padre Christian Bouchacourt, em Flavigny, na cerimônia dos votos dos irmãos da Fraternidade São Pio X

Segunda-feira, 29 de setembro de 2014

 

Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo,

Caro Padre Diretor, caros confrades, caros irmãos, caras irmãs, caríssimos fiéis,

 

Agradeço muito ao Reverendíssimo Padre Troadec por conceder-me esta oportunidade de dirigir-vos a palavra nesta cerimônia tão comovente dos primeiros votos e da renovação dos votos dos irmãos da nossa Fraternidade. Todos vós conheceis o episódio do Evangelho, este jovem que se aproxima de Nosso Senhor e que pergunta: o que devo fazer para alcançar a vida eterna? E Cristo lhe responde: observa os mandamentos, ama o teu próximo, etc. E ele responde: já faço isso. E o que diz neste momento o Evangelho? Jesus olhou para ele e o amou.

 

Conhecemos a continuação. Esse jovem se desviou do chamado de sua vocação e se foi triste. Porque Cristo lhe tinha pedido: uma única coisa te falta. Vá, vende todos os teus bens, dê-os aos pobres e siga-me. E ele não fez isso. E partiu triste. Vós, meus caros irmãos, ouvistes no fundo de vossas almas esse chamado de Nosso Senhor e abandonastes tudo. Por que abandonastes tudo? Como ser fiéis a esses votos que ireis pronunciar ou que ireis renovar? E, enfim, qual vocação é a vocação dos irmãos da nossa Fraternidade São Pio X? Nesta manhã, desejaria responder a essas três questões.

 

Meus irmãos, por que abandonastes tudo? Por quê? É porque sois perfeitos? Talvez ainda não. Por que quereis aspirar à perfeição? Isso sim, sim. E sabemos, todos nós somos obrigados a aspirar à perfeição. Porém Deus tem seus preferidos. Nosso Senhor tem seus preferidos. Temos um exemplo disso na pessoa de São João, São João apóstolo. Ele era seu preferido. E por seus preferidos, Nosso Senhor quer conduzi-los mais longe, mais para o alto, mais para o alto. Então, para conduzi-los mais para o alto, ele vai exigir mais.

 

Ele vai, então, chamar-vos a renunciar a prazeres lícitos, porém que podem ser um obstáculo à perfeição em razão da fraqueza que temos em consequência do pecado original. E ele vos chamará a renunciar ao uso dos bens materiais. Ele vos chamará também a renunciar aos bens, às alegrias familiares, mas também, e isso é o mais difícil, a renunciar ao uso da vossa liberdade. E vós o fazeis livremente. Vede, meus irmãos, os religiosos que sois foram olhados por Nosso Senhor Jesus Cristo e, como vos dizia, Ele quer chamar-vos para mais alto. Ele vos chama, de fato, a realizar um ato de caridade heroica. Ele vos chama, como dizia Santo Tomás, a fazer um holocausto, ou seja, a despojar-vos do que tendes de mais caro. E esse despojamento é triplo. Ele vos chama a despojar-vos dos vossos bens exteriores pela pobreza, a renunciar às alegrias familiares pela castidade e, enfim, ele vos pede a renunciar à vossa liberdade pela obediência.

 

Sem a fé, isso é absolutamente incompreensível. Para o mundo de hoje, o religioso é um louco. É incompreensível. Por quê? Porque o motor de tal renúncia é a caridade. É o amor de Deus. É esse desejo de amar a Deus em todas as coisas, mas também o amor pelas almas, aquelas que sois chamados a caminhar ao lado, para ajudá-las a se salvar. E para isso, para agir rapidamente, para responder ao chamado de Deus, então, vós vos consagrastes completamente. Isso é sinal de perfeição. Graus de perfeição que subireis tanto mais rápido se fordes fiéis a esses três votos, que, para uns de vós, ireis pronunciar pela primeira vez, e, para os demais, ireis renovar.

 

Mas então, como ser fiéis a esses votos? Sem a graça de Deus é impossível. Absolutamente impossível. Mas com Nosso Senhor Jesus Cristo, sim, tudo é possível. E para isso, vivei com Nosso Senhor Jesus Cristo. Vivei em Nosso Senhor e por Nosso Senhor. E o centro de vossa vida, isso vos foi dito ontem, o centro de vossa vida é o altar. E por quê? Porque sobre o altar vereis o exemplo dos votos que ireis pronunciar em alguns instantes. Tendes Nosso Senhor obediente que se oferece a seu Pai. Tendes Nosso Senhor despojado de tudo, na maior pobreza, e tendes Nosso Senhor exposto, em toda sua nudez. É lá, no pé do altar que encontrareis as graças que necessitais para ser fiéis a esses votos. Vereis que o padre, em alguns instantes, vai colocar uma gota de água no cálice, no vinho. Essa gota de água, meus irmãos, são esses três votos que ireis pronunciar em breve, que vão se diluir totalmente no sacrifício, aquele de Nosso Senhor, que se renova sobre o altar, todas as vezes que a missa é celebrada. Permanecerdes, portanto, centrados sobre o altar, e depois disso, mantenham por amor do Céu uma alma de criança. Não infantil. Mas uma alma de criança. Vemos esses religiosos que, após anos e anos – e há deles entre os membros da Fraternidade -, que mantiveram uma simplicidade de alma extraordinária. Sabeis, a criança é confiante. Sede sempre confiantes em vossos superiores. Sede sempre muito abertos. Esse é um dos segredos da perseverança. Sede um livro aberto com eles, como a criança com sua mãe ou com seu pai. Sede generosos. Dai sem contar.

 

Hoje, ireis pronunciar vossos votos pela primeira vez, por um ano, mas, de fato, estou convencido de que todos tendes presente o desejo de consagrar toda a vossa vida. Certamente é um ato importante. Portanto, antes disso, é preciso se preparar para ele. Porém, sede desde já generosos. O que ireis dar hoje, não passeis vossa vida a recuperá-lo pouco a pouco. Não, pelo contrário, dai sempre mais, quer seja em vosso dever de estado, quer seja na observância de vossa regra, na fidelidade à vossa vocação. A criança é confiante, a criança é generosa, e a criança vive na dependência. E acredito que, para vós, isso é, sem dúvida alguma, o que pode ajudar-vos a escalar os degraus da santidade. Aqueles que possuem certas responsabilidades têm todos os perigos da autoridade, perigos do orgulho, perigos da vaidade, perigos do pecado contra a prudência. Vós tendes essa graça de viver na dependência, na obediência. E Nosso Senhor vos protegerá de modo particular e vos fará escalar, assim, os degraus da santidade, asseguro-vos. Essa dependência rima com humildade, e esse foi todo o drama dos nossos primeiros pais e é todo o drama da nossa sociedade de hoje, que grita “independência, independência, liberdade, liberdade”. A isso, respondemos: “dependência e humildade”.

 

E para isso, meus irmãos, São José é o vosso modelo. Como ele foi confiante, ele que obedeceu imediatamente ao anjo quando teve de fugir para o Egito, ele que conservou uma grandíssima pureza, guardando os maiores tesouros que um homem pode receber, a Mãe de Deus e Deus encarnado. E cumprindo seu dever de estado na simplicidade cotidiana, em Nazaré, como carpinteiro, isso sob o olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua santa Mãe.

 

Então, qual é, de fato, a vocação dos irmãos da Fraternidade? Disseram-vos isso ainda ontem. Vossa vocação está completamente orientada ao sacerdócio. Sois os auxiliares do sacerdócio. Sois os auxiliares dos padres. Claro, ireis ajudá-los nas atividades do catecismo, nas atividades paroquiais. Mas ireis fazer mais. Muito frequentemente, ireis abrir a porta ao sacerdócio quando o padre tiver dificuldade em abri-la.

 

Às vezes, os fiéis, as crianças em nossas escolas têm um pouco de apreensão em se aproximar do padre. Então, eles se dirigem ao irmão e dizem tudo ao irmão. Eles lhes dizem sua preocupação, sua alegria, o que temem. E o que o irmão vai fazer? Se for para o bem, ele vai transmitir ao padre, e muito frequentemente o que o irmão viu, o que o irmão ouviu, nós, padres, não tínhamos visto. Nisso, ajudareis os padres.

 

Mas não somente sois os auxiliares dos padres, mas sois os irmãos dos padres. Viveis na mesma família e sois testemunhas das alegrias e das cruzes da vida do padre. Para ele, com ele, carregareis as dificuldades em silêncio. Por vezes, tereis essa palavra que é preciso para devolver-lhes um pouco de coragem. E também, e vi isso na América do Sul, quando o padre está às vezes muito, muito sozinho, sereis o confidente. Às vezes o padre vos confiará uma grande preocupação que tem, e estareis lá ao seu lado, por vezes sem saber muito o quê fazer, mas rezareis por ele e estareis perto dele por caridade fraterna, e esse é o vosso papel.

 

Enfim, sereis os anjos da guarda desses padres. Graças a vós, o padre manterá muito frequentemente uma regularidade que é difícil de manter no apostolado, que às vezes é bastante denso. Graças a vós, porque ele estará convosco em comunidade, podereis recitar o ofício, podereis também ajudá-lo na celebração da Missa, e depois, como os anjos da guarda fazem com cada um de nós, rezareis por ele, sabereis por vezes afastá-lo dos perigos que podem ameaçá-lo, e o fareis com delicadeza, por pequenas observações, das quais somente vós tendes o segredo, e o cercareis com a vossa caridade. Eis o vosso papel, esse maravilhoso papel, essa maravilhosa vocação de irmão da Fraternidade.

 

E para concluir, gostaria de me dirigir a vós, caros pais, para agradecer-vos. Se vossos filhos estão aqui hoje, é graças a vós. Esta é a coroação de uma educação, e essa vocação de irmão, esse filho que dais à Igreja, coloca sobre vossa coroa um diamante que, asseguro-vos, brilhará para vós na eternidade. É porque soubestes transmitir ao vosso filho esse amor de Deus que sua vocação pôde crescer, se desenvolver, e o sacrifício também é grande para vós, mas ele é uma fonte de bênçãos imensas para vossas famílias.

 

Gostaria muito de dizer às famílias que há uma virtude que deveis desenvolver no seio de vossos lares, não somente o espírito de oração – que é necessário, a oração em família antes da refeição é bom, muito bom, mas não é o suficiente. É preciso desenvolver o espírito de sacrifício. O espírito de sacrifício é o terreno indispensável sobre o qual vai se desenvolver a graça, o terreno sobre o qual vão se desenvolver as vocações. E se frequentemente vemos vocações que, na hora de dar o passo, desencorajam-se, é porque houve por vezes uma carência na educação… Às vezes não havia a vocação, e isso é perfeitamente legítimo. Mas às vezes, antes de entrar no seminário, vemos alguns jovens hesitar e se desviar. Por quê? Porque eles foram superprotegidos demais. Eles não tiveram o hábito de renunciar à sua vontade própria. Cederam demais aos seus caprichos. Como quereis, nesses casos, que eles respondam ao chamado silencioso de Nosso Senhor, que os chama? Então desenvolvei, desenvolvei na alma dos vossos filhos, como o tendes feito, desenvolvei bem esse espírito de sacrifício. Ele é uma garantia de força da alma para os vossos filhos, uma garantia de santidade, e nos suscitará os santos e as vocações que necessitamos.

 

Então, meus irmãos, que o arcanjo São Miguel, vosso santo Padroeiro, seja vosso protetor, que ele defenda esses belos votos que ireis pronunciar, que ele seja vossa força, que ele vos ajude a permanecer fiéis a eles. Esses votos, fazei-os passar também pelas mãos da Santíssima Virgem Maria. Ela os apresentará ao seu Filho e, sem dúvida alguma, Ele vos cobrirá com suas graças. Que assim seja.

 

Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

Padre Christian Bouchacourt, Superior do Distrito da França.