O Salvador do mundo viveu por 30 anos “isolado” em Nazaré, antes de começar sua vida pública. Não foi um tempo desperdiçado? Acaso não era mais urgente que ele atuasse na salvação das almas? Trinta anos de uma vida de 33! É surpreendente.

Tudo o que Deus dispõe é eminentemente sábio e rico em ensinamentos. Essa vida escondida do Senhor nos ensina a predominância do invisível sobre o visível, do espiritual sobre o material.

Que há de mais ordinário do que a vida de um carpinteiro num vilarejo da Galileia, junto a sua esposa e seu filho único? Qual foi, então, a glória da Sagrada Família? Foi ter sido santa. A santidade! Eis o que dá valor às vidas mais rotineiras. E essa santidade é efeito da presença de Deus em nossas almas, que se traduz em vida cristã.

Com o confinamento, acabam-se as viagens, os “shows”, as festas, os jogos de futebol e muitas outras coisas. Para um espírito mundano, a vida perde o gosto; para um cristão, o essencial se mantém (e ele, até mesmo, é preservado de muitos perigos). 

O lar cristão se encontra, muitas vezes, dividido: o pai (e, não poucas vezes, a mãe) no trabalho; as crianças na escola; os filhos maiores na faculdade, com os amigos, nas recreações… Agora, o confinamento reúne a todos eles. É verdade que iremos reparar mais facilmente nos defeitos uns dos outros; mas a vida em comum também é a ocasião de descobrir as virtudes, e de as desenvolver.

Cada um faz suas atividades próprias: é a santificação do dever de estado particular. O estudo do catecismo concerne especialmente às crianças, mas também aos adultos que se preparam para o Batismo ou à Crisma. Os pais fazem os seus trabalhos “on-line”, organizam seus documentos, colocam em dia as contas da casa, leem as cartas atrasadas.

Depois, há a santificação do dever de estado comum. Ela consiste, propriamente, nas obrigações da vida em família.  Por obrigação de justiça e de caridade, cada um deve ajudar de acordo com suas capacidades. Todos tiram proveito, para toda a vida, ao aprenderem a cozinhar, arrumar a casa, passar a roupa, cuidar do jardim; os mais jovens aprendem que nada se consegue sem esforço. Além disso, conscientes dos esforços que seus pais fizeram para educá-los, não precisarão esperar até a idade madura para lhes retribuir com o devido reconhecimento e respeito.

Com as telas desligadas, a criatividade de todos é motivada pelo retorno aos lazeres sãos (pintura, desenho, leitura, música, pequenos trabalhos manuais). Recupera-se o encanto das reuniões noturnas de outrora. Após a oração da noite, algumas músicas e leituras unem a família num momento alegre, prelúdio de um repouso tranquilo.

Durante sua vida privada, Nosso Senhor viveu rodeado pelo afeto de seus santos pais. Ele serrou centenas de tábuas de madeira, pregou milhares de pregos; e desse modo mereceu a salvação do gênero humano. Nossa vida monótona de confinados deve tornar-se o tecido humilde de uma rica santidade vindoura.

Todos os pequenos atos de paciência, perseverança, renúncia: o esforço para ajudar ou de sorrir, de mostrar bom humor… todas essas pequenas vitórias sobre nós mesmos farão crescer a presença de Deus em nossa casa e a tornarão grande, tal como foi em Nazaré. Sejamos generosos. Oração e caridade serão a areia e o cimento que ligarão, para sempre, as pedras vivas que são cada uma de nossas almas. À maneira da vida escondida de nosso Salvador, preparemos a celebração dos grandes mistérios de nossa Redenção no recolhimento de nosso lar.

Padre Francisco,

São Paulo, 1º de Abril de 2020